São Paulo, sábado, 6 de setembro de 1997 |
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Limites da ilegalidade
WALTER CENEVIVA
O tema não se esgota, porém, no tecnicismo jurídico e sugere a reavaliação da dosimetria. Esse estranho vocábulo busca definir os critérios (ou dosagens) para determinação das penas aplicáveis aos criminosos. Envolve complicadas avaliações jurídicas, sociais, psicológicas, sociológicas. Tome-se o exemplo da morte do índio, que, transformado em tocha humana, não morreu imediatamente, mas pouco tempo depois, em virtude da gravidade de suas lesões. A pena prevista no artigo 129 do Código Penal varia entre 4 a 12 anos de reclusão. A dosagem punitiva é paradoxal. A pena imponível a quem exponha a vítima a uma doença venérea, por meio de relações sexuais, pode ser de reclusão por quatro anos, em grau máximo (artigo 130). Mulher que causa a morte de recém-nascido ao abandoná-lo, para ocultar desonra própria, sofrerá de dois a seis anos de detenção (artigo 134). O que o leitor acha dessa diversidade punitiva em três dispositivos próximos do Código Penal? Adequada? Absurda? Para ajudá-lo na avaliação vou ao artigo 33. A pena de reclusão pode ser em regime fechado (cumprida em estabelecimento de segurança máxima ou média), obrigatório para condenações superiores a oito anos, e a pena de detenção é cumprida em regime aberto ou semi-aberto (em colônia agrícola, casa de albergado ou outro estabelecimento adequado, conforme o caso). Se os rapazes que mataram o índio forem punidos com pena entre quatro e oito anos, poderão, desde o princípio, cumpri-la em regime semi-aberto. A título de curiosidade comparativa, completo: a bigamia é apenada com reclusão de dois a seis anos e o roubo, mediante uso de arma de fogo, mas sem causar dano físico à vítima, resulta em reclusão de quatro a dez anos. Os exemplos demonstram a importância de se repensar a dosimetria penal brasileira. Mas pondero que isso já foi feito, em parte, com a criação dos crimes hediondos, que envolvem, por exemplo, o estupro e o sequestro. Pondero mais que o Código Penal de 1940 (ainda hoje em vigor) é muito rigoroso com os delitos contra o patrimônio, mas desconsidera o crime do colarinho-branco, embora puna o estelionato e a exploração de prestígio (um a cinco anos para os dois delitos). A pena de prisão, por mais agravada que seja, não diminui a criminalidade. Impõe elevados ônus econômicos à sociedade, ante os custos de construção e manutenção de estabelecimentos penitenciários, sem falar na sua contribuição para a "escolarização criminosa" dos presos. A reavaliação desses problemas está na permanente preocupação dos especialistas e das autoridades. Desde que Cesar Beccaria escreveu "Dos Delitos e das Penas", há pouco mais de 200 anos (pode ser lido em excelente tradução de J. Cretella Jr. e Agnes Cretella, da Revista dos Tribunais), o assunto nunca saiu de pauta. O caso do pataxó, na imensa tragédia que envolve para a vítima, para os criminosos e para as respectivas famílias, poderá repercutir favoravelmente para o povo brasileiro se, além do debate momentâneo, der origem a sedimentada meditação e sólidas providências de aprimoramento das leis penais e de execução penal do Brasil. Texto Anterior: Sobre a profecia de Rifkin Próximo Texto: Polícia suspeita do Terceiro Comando Índice |
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