São Paulo, sábado, 6 de setembro de 1997
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Jornalista francês "dita" livro piscando

MARCELO RUBENS PAIVA
ESPECIAL PARA A FOLHA

Conheci, em 1994, uma moça fã de esportes. "Conheci" é força de expressão. Ela não mexia um músculo -em sua cadeira de rodas, de olhos escancarados, pálida como a neve, respirava com ajuda de aparelhos e não falava.
Nem sei se era fã de esportes. Eu a encontrava com sua família, em estádios de San Francisco (EUA), onde aos portadores de deficiência estão reservados descontos e os melhores lugares. Desconfiei que sua família era fã de esportes e descontos e a levava como escudo.
Na cabeça de muitos, é um abuso manter vivo alguém daquele jeito. Mas como saber o que ela pensava?
Jean-Dominique Bauby era editor da revista Elle quando, numa noite de dezembro de 95, seu corpo parou de funcionar. Levado ao hospital, o diagnóstico foi "locked-in syndrome", doença rara que bloqueia a parte do cérebro responsável pelos movimentos.
Criou um código em que letras do alfabeto, a sua frente, eram escolhidas no piscar. Assim, Bauby "ditou" parágrafos e capítulos. Esta experiência originou "O Escafandro e a Borboleta", que agora ganha uma edição brasileira.
A razão do título é que o autor se imaginava num escafandro que limitava seus movimentos, enquanto sua mente viajava como uma borboleta em pensamentos.
É forte, doloroso e irônico. Narra o impacto de se sentar, pela primeira vez, numa cadeira de rodas. Descreve os passeios pelo hospital, as visitas, os telefonemas cujo outro lado da linha não ouvia respostas e o passado.
Baudy morreu meses depois de publicado o livro. Deixou um registro perturbador de como viver nos limites da resistência humana.
"O Escafandro e a Borboleta" pode aflorar uma curiosidade envergonhada no leitor que quer furar as paredes do escafandro e ver o que tem dentro. Mas, tudo bem, literatura não é isso?

Livro: O Escafandro e a Borboleta
Autor: Jean Dominique Bauby
Lançamento: Editora Martins Fontes
Quanto: R$ 17,50

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