São Paulo, domingo, 7 de setembro de 1997
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Menos imposto, menos déficit

CELSO PINTO

Acelerar a desvalorização cambial parece uma boa idéia para melhorar as contas externas. Traz, contudo, um inconveniente: obriga o governo a elevar as taxas reais de juros para manter o país atraente para aplicações em dólares.
A explicação é simples. O retorno de quem aplica aqui em dólares depende dos juros internos e da desvalorização cambial (já que, no final, o investidor tem de trocar reais por dólares), gerando o que se chama de "cupom cambial". Portanto, se a desvalorização acelera em relação à inflação, o juro tem de acompanhar, caso contrário reduz o rendimento, o que pode levar a uma redução nas reservas.
Como a política de aceleração do câmbio, aparentemente, veio para ficar, ficou mais interessante a discussão de uma proposta do economista Fábio Giambiagi, do BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social). Ele sugere a eliminação do Imposto de Renda de 15% que passou a ser cobrado, desde 1º de janeiro de 1996, nas aplicações financeiras.
O argumento de Giambiagi é que o fim do IR permitiria manter o cupom cambial e, ao mesmo tempo, reduzir os juros e o déficit público. Sem, com isso, ter o caráter de injustiça social que a eliminação de um imposto sobre ganhos financeiros parece ter.
Vamos começar pelo último ponto. O senso comum diz que taxar ganhos financeiros é mais do que justo, até porque os rendimentos do trabalho são taxados. Cobrar esse rendimento na fonte seria ainda mais justo, já que é impossível sonegá-lo na fonte, mas não na declaração anual de rendimentos.
Isso supõe, contudo, que quem ganha o rendimento financeiro olha apenas seu rendimento bruto e aceita de bom grado pagar 15% de imposto sobre ele. Na vida real não é assim. O que importa, no mercado, é o rendimento líquido, até porque existem inúmeras alternativas de aplicação, aqui e no exterior, disponíveis.
Se isso é verdade, então o aplicador não reduz seu ganho para pagar o imposto. O mercado é que aumenta o rendimento bruto de forma a garantir um rendimento líquido compatível com outras alternativas. Do ponto de vista distributivo, nada acontece.
O IR de 15%, contudo, significa a necessidade de manter taxas brutas de juros mais altas. Uma taxa Selic bruta de 1,6% ao mês, como a atual, equivale a um juro bruto anual de 20,98%. Descontando uma desvalorização anual de 7%, o rendimento do cupom ficaria em 13,07%. Como, no entanto, existe ainda 15% de IR para pagar, o investidor externo embolsaria 9,9% ao ano.
Este nível de 9,9%, argumenta Giambiagi, já está próximo do piso que o Brasil pode oferecer, considerado o nível de risco percebido para o país. Portanto, não dá para oferecer menos do que isso, sob risco de perder reservas.
Sem o IR de 15%, contudo, a taxa Selic mensal poderia cair para 1,4% ao mês, ou 18,16% brutos ao ano, porque, mesmo descontando a desvalorização, o investidor levaria 10,43%. A diferença é que, nesse caso, o juro oferecido ao investidor aqui cairia de 20,98% ao ano para 18,16%, e essa diferença de quase 3 pontos percentuais permitiria, teoricamente, uma redução idêntica no custo dos empréstimos.
E como uma redução de imposto poderia ajudar o déficit público? O maior devedor do país é o governo. Por essa razão, praticamente tudo o que o governo arrecada com o IR de 15% equivale ao que ele paga a mais, em juros, para os compradores de seus papéis.
Giambiagi calcula esse impacto em R$ 5,4 bilhões no ano passado, ou o equivalente a 0,64% do PIB (Produto Interno Bruto). De fato, o arrecadado no ano passado em IR sobre rendimentos financeiros foi equivalente a 0,65% do PIB.
A conta, contudo, não empata, sustenta Giambiagi, porque, do que o governo federal arrecada com o IR, ele é obrigado a repassar 44% para os Estados e municípios, ou 0,28% do PIB. O governo federal, portanto, acaba tendo uma perda fiscal.
Para dizer que a eliminação do IR melhoraria as contas fiscais em 0,28% do PIB, contudo, é preciso partir de um pressuposto complicado: o de que os Estados e municípios, ao perder essa receita de 0,28% do PIB, reduziriam seus gastos na mesma proporção. Na prática, haveria uma enorme chiadeira. De todo modo, a idéia vale uma discussão, apesar das gigantescas resistências da Receita Federal.

E-mail: CellPinto@uol.com.br

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