São Paulo, domingo, 7 de setembro de 1997
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SÍNDROME DE LADY DI

ADRIANA VIEIRA; DEBORAH GIANINNI; ALEXANDRA OZORIO DE ALMEIDA; IZABELA MOI

A morte de Diana mostra que, depois de anos de feminismo, o maior drama das mulheres ainda é encontrar um "príncipe"
POR ADRIANA VIEIRA E
DEBORAH GIANINNI
COLABORARAM ALEXANDRA OZORIO DE ALMEIDA E IZABELA MOI
Bonita, elegante e bondosa. Ao mesmo tempo, traída, bulímica, e mal-amada. Diana, a "princesa do povo", parecia reunir em uma só pessoa as mazelas que atormentam 99% das mulheres neste final de milênio.
Para além dos vestidos, jóias e viagens, "súditas" de todos os cantos do mundo adoravam Diana porque se identificavam com suas desventuras. Quem nunca se sentiu abandonada pela mãe? Ou casou-se com um príncipe, que virou "sapo" logo depois da lua-de-mel? Ou foi traída pelo marido? Ou se sentiu "explorada" por um namorado?
"Diana era fascinante, embora frágil. Eu me identifiquei com ela, porque tento construir uma fortaleza dentro de uma fragilidade emocional", diz a psicóloga Júlia Borba, 37, que, como a princesa de Gales, casou-se virgem, em uma cerimônia pomposa, com um homem mais rico, "que parecia um lorde".
"Eu tinha 21 anos e achava que tinha encontrado o homem perfeito", diz Júlia. O casamento entrou em crise depois de cinco anos -o marido começou a chegar tarde em casa, enquanto ela, em depressão, chegava aos 39 kg. Separada há apenas um mês, a psicóloga, com dois filhos adolescentes, ainda sonha com príncipes. "Continuo olhando para as estrelas", diz.
Segundo a escritora e ensaísta norte-americana Camille Paglia, Diana exercia um grande fascínio porque representava um novo tipo de mulher, diferente da imagem de "executiva bem-sucedida" exortada pelas feministas nos anos 80. "O appeal vinha do seu frescor, feminilidade, desejo pelo casamento e por filhos", disse Paglia em entrevista na terça-feira passada (leia à pág. 11).
Em pleno movimento yuppie, Diana atraía todas as atenções, provando que babados e véus intermináveis ainda povoavam o imaginário feminino. De certa forma, liberou a princesa que ainda existia em cada uma. Seu vestido de noiva foi tão imitado no Brasil que virou "uniforme de altar", na definição de Margarida Fabri, gerente de uma loja de grinaldas em São Paulo.
"A minha geração ainda sonhava casar-se como princesa", diz a banqueteira Heloisa Baptista Marcos Silva, 36, que há 14 anos usou um vestido de tafetá, com mangas bufantes, cauda arrastando no chão, inspirado na princesa.
"Desde pequena, eu me desenhava com o vestido da lady Di. Guardei uma foto da roupa, que recortei da 'Fatos e Fotos', mas tinha vergonha de falar para as pessoas. Às vésperas do casamento, venci minha timidez e confessei à costureira que gostaria de um vestido igual ao dela. Afinal, casamento é só uma vez na vida", conta a arquiteta Fabíola Fiuza, 26, casada há um ano, que teve de afastar os bancos da última fileira para conseguir entrar, com seu enorme vestido, na igreja.
Em seu livro "Vamps e Vadias" (Editora Francisco Alves), Paglia fala da importância simbólica de lady Di: "A fascinação por Diana é mais que um fenômeno britânico. É uma obsessão internacional (...). Está cada vez mais óbvio que a história de Diana toca em certos traços profundos e poderosos da nossa cultura, os quais sugerem que os antigos arquétipos da feminilidade convencional não estão obsoletos, mas mais fortes e profundamente ancorados do que nunca".

Mesmo as doenças da princesa eram atuais. Quando o conto-de-fadas do casamento perfeito começou a ruir, Diana, como toda neurótica dos anos 90, somatizou suas frustrações na comida. Sofreu, por três anos, de bulimia, distúrbio no qual a pessoa come compulsivamente, mas vomita em seguida. O sofrimento resultou em um corpo mais esguio, que ela usou para desfilar modelos dos mais renomados costureiros do mundo.
A marchand e ex-modelo Malu Fernandes, 48, parou de comer quando descobriu que havia uma "Camilla" na vida do seu marido. "Ela era casada e muito minha amiga. Nós quatro alugávamos barcos juntos no Caribe, saíamos toda semana e nos falávamos ao telefone diariamente. Todo mundo sabia do caso dos dois, menos eu", diz.
Com anorexia, Malu perdeu 10 kg e chegou a ficar internada por cinco dias para tomar soro em um hospital. Quando soube da morte de Diana, Malu chorou porque lembrou de sua própria separação, ocorrida há 10 anos. "O sofrimento de lady Di mostra que nem uma princesa escapa desses problemas", diz.
A ex-modelo vive hoje em Bali, promovendo exposições de arte local. Seu ex-marido casou com a ex-amiga e ela continua sozinha. Mas, como Júlia e a própria Diana sonhava, ainda espera encontrar o verdadeiro príncipe. "Quero casar de novo. Fiquei decepcionada com ele, mas não com o casamento", afirma Malu.
A estudante de marketing Ana Carolina Kherlakian, 22, conta que sofreu de bulimia "como a princesa". "Namorei durante cinco anos com uma pessoa que amava muito e com o qual perdi minha virgindade. Ficamos noivos, mas ele era muito ciumento e mentiu para mim. Quando nos separamos e tive depressão", conta Ana Carolina, que disse ter ficado um "varapau" nessa época.

A confissão de infidelidade de Diana, em entrevista à BBC em 1995, lavou a alma das mulheres. "Adorei quando soube que ela tinha um amante. Imaginava aquela mulher bonita, esperando aquela lesma branca se manifestar. Ela foi corajosa. Estava muito triste enquanto estava casada", afirma a comerciante Maria de Fátima Trazzini, 42.
Para Fabíola, Diana foi a primeira a não aceitar a "traição do príncipe, uma coisa que até então chegava a ser uma tradição na monarquia". "Ela foi um exemplo para todas as mulheres, até porque além de não aguentar a traição, não ficou se fazendo de vítima e foi à luta atrás de um bonitão, como aquele major. Não interessa se ele foi canalha ou não. Pelo menos, ela arriscou", diz.
A empresária Maria Cecilia Vieira, 39, concorda: "Achei muito certo Diana ter revelado que teve um amante. As mulheres gostam muito dela pela sua coragem de peitar a família real".
Dona de uma loja de roupas de aluguel nos Jardins, Maria Cecília admirava a elegância da princesa. "Ela era uma motivação inconsciente para as mulheres. Eu me lembro que estava em Paris e li uma reportagem dizendo que ela usava bolsas da Christian Dior. Nunca gostei muito dessa marca, mas acabei comprando três bolsas iguais à dela, em cores diferentes", conta.
Sua filha mais velha, a estudante Joana Vieira, 20, lembra lady Di. "Todos me acham parecida com ela, principalmente o meu namorado. Eu me sinto lisonjeada porque a achava elegante e de muito bom gosto", diz Joana.
Entendendo a importância crescente da moda nos anos 90, Diana usava decotes, comprimentos de saia, jóias e maquiagem para mandar seus recados. "Em sua primeira aparição pública com Charles, depois do casamento, Diana usava um maravilhoso vestido negro, muito decotado, que depois descobrimos ter horrorizado o príncipe. Ao sair do carro e enquanto ela subia a escadaria da Ópera, foram tiradas fotos de cima. Vimos aquele maravilhoso seio caindo para fora do vestido: era a grande mudança da virgem tímida. Esse foi o momento em que primeiro vimos sua habilidade para manipular seu próprio carisma e flertar com a mídia mundial de um jeito que apenas as grandes estrelas de Hollywood e músicos populares conseguem fazer", disse Paglia, na mesma entrevista.

Com uma quantidade incalculável de fotos e informações sobre a vida de Diana, vinculadas em jornais, revistas e TV, fez da princesa uma "amiga íntima" das espectadoras.
Projetava-se nela a imagem de mulher poderosa e humilde ao mesmo tempo. "Ela não faz parte da família, mas parece que faz. De tanto lermos e sabermos da sua vida, acabamos entrando em sua intimidade", diz a empresária Maria Cecília.
Para a artista gráfica Yvoty Macambira, 43, "as mulheres se identificam com Diana porque ela era uma mulher absolutamente comum". "Não acertava sempre, não era linda demais -tinha bunda para dentro, nariz grande- e alcançou o que uma mortal não alcançaria. O fato de as pessoas deixarem agora flores e presentes mostra a proximidade que elas sentiam em relação à princesa, que provavelmente não teriam com a rainha da Inglaterra. Ela era o ideal da maioria das mulheres porque tinha opiniões particulares sem perder a feminilidade", diz.
Entre as "plebéias", o principal elogio que se ouve sobre Diana é a sua "coragem". Apesar de "não ser uma mulher excepcional" e "não ter nenhum projeto maior para nada", como lembrou o historiador inglês Eric Hobsbawn em entrevista à Folha, a princesa era admirada por suas vitórias pessoais: enfrentou a sogra, não se acomodou em um casamento infeliz e, nos últimos anos, descobriu um trabalho (o das causas humanitárias). "Ela era um exemplo de mulher: bonita, elegante, tolerante e com um marido horroroso", resume a advogada Ivete Lacerda, 60, que "nunca verte uma lágrima, mas chorou com a morte da princesa".
Malu Fernandes completa e se identifica: "Ela chutou o pau da barraca e foi refazer sua vida. Nunca escondeu, nem disfarçou nada. Teve uma reação igual à minha: nós duas colocamos os maridos contra a parede".
A indignação cresce ainda mais quando se compara a magra e jovem Diana a Camilla Parker Bowles, amante do príncipe Charles, descrita pelos tablóides ingleses como "vampira, bruxa, gorda, enrugada, peixe velho, ameixa seca, cara de cavalo". Em tempos de hipervalorização da aparência, a preferência de Charles soa como alguma perversão sexual.
E o fato aparente de os dois se amarem tornava o affair ainda mais escandaloso. Como lembrou Allison Pearson, na revista "New Yorker" de 1º de setembro, "na Inglaterra de hoje, amor é um tabu maior do que o sexo". "Nós sempre precisamos de algo para nos embaraçar e o que nos faz corar hoje não é o roçar de lençóis, mas o bater dos corações."
A comoção feminina diante da morte de Diana mostra que, para as mulheres, 35 anos depois do início do movimento feminista, o grande drama ainda é "ser amada". Se tivesse morrido em algum atentado em Angola ou em um hospital para crianças aidéticas, lady Di ficaria como a princesa elegante que defendia "pobres e doentes". Esmagada no Mercedes-Benz do namorado, depois de um jantar no Ritz, Diana foi congelada como a "mulher que tinha tudo, mas vivia em busca de amor".
Em uma frase premonitória, Paglia escreveu: "Nós criamos Diana à nossa própria imagem. E, perseguida por nossos melhores votos, Diana, a caçadora, é agora a corça paralisada sob a mira do mundo."

PARA SABER MAIS
1. "Vampes & Vadias", de Camile Paglia, Ed. Francisco Alves, 1994, R$ 29,50.
2. "Love in a cold climate - Why Prince Charles loves Camilla", de Allison Pearson, na The New Yorker, 01/09/97. US$ 3,50.
3. "Salon Magazine", onde Camille Paglia é colunista. o site é http://www.salonmagazine.com
4. Frases e últimas notícias no site da CNN http://www.cnn.com

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