São Paulo, sexta-feira, 12 de setembro de 1997
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Bordeaux

PASCALE NIVELLE
DO "LIBÉRATION"

Tudo está no nariz. A boca, primitiva, só conhece o amargo, o doce, o salgado e o ácido. Ao nariz, todo o resto. Doze mil aromas, do mineral ao animal, das flores às especiarias.
Como em todas as artes, o vinho tem sua escola. A única onde não é proibido cuspir. Neste ano, 400 alunos participaram do curso de três dias da Academia de Vinhos de Bordeaux, no sudoeste da França, onde descobriram a importância de seus narizes e alguns pequenos truques.
O primeiro dia é consagrado ao "despertar dos sentidos". De início, trabalha-se o olfato, em seguida a visão e, finalmente, o paladar.
O material didático é fornecido: quatro copos, uma caderneta de degustação e uma prancha perfurada, que funciona como "cuspideira". O aluno "comparece" apenas com o nariz.
E os tipos são os mais variados. Há o marcial, do militar que veio pela necessidade de falar e compreender o "enologuês", a linguagem dos vinhos.
Há aquele pertencente à jovem burguesia, que tem sempre a impressão de que algo lhe escapa em seus jantares sociais.
Existe o empresário, presente porque não aguenta mais ser chamado de ignorante há 30 anos pelo cunhado.
Há também alguns perdidos, que estão ali por acaso, por um simples prazer, atraídos pelo desejo de "despertar um sentido".
O enólogo discorre em uma sala completamente branca. E começa por um curso de história. Explica que o vinho surgiu em 7.000 a.C., na Mesopotâmia, e a primeira poda da vinha é feita por um jumento, que ao comer as folhas faz com que as uvas fiquem mais vigorosas.
Ele mostra que até o mapa das invasões romanas pode ser elaborado a partir dos vinhedos. Antigamente, costumava-se adicionar vinho à água para torná-la potável. Hoje, a bebida continua um produto raro: bebe-se três vezes mais cerveja no mundo.
O professor não se afoba. Aguarda o relógio dar 11 horas, já que mais cedo as papilas da língua se recusam a trabalhar. É preciso então excitá-las.
O olhar
Tudo começa pelo olhar, pois o vinho se bebe antes de tudo com os olhos. A cor evolui do violeta ao acastanhado nos tintos e do verde ao amarelo-ouro nos brancos.
O olfato vem em seguida, exercitado logo de início com a ajuda de amostras escolhidas em 11 famílias de aromas, todas numeradas. Xixi de gato: fácil. Quartzo: difícil. Brioche: agradável.
Depois, finalmente, "mergulha-se" o nariz no copo, sob um silêncio quase sagrado. "E então?", pergunta o enólogo.
Os aromas são verdadeiras lembranças. Um bosque sombreado, uma velha casa, um pomar, geléias.... "Etéreo, balsâmico, frutado", acrescenta o homem da arte. Então -e apenas então- se coloca o vinho na boca.
Mas é novamente o nariz que sabe reconhecer a persistência, que dura de um a mais de dez segundos. E aí já se pode cuspir.
Em seguida, aula prática em uma propriedade do Pomerol. Visita e degustação. O inverno é a época da poda, uma das 37 intervenções anuais feitas nos vinhedos.
Distribuídas por toda a plantação, no final das fileiras, pequenas fogueiras onde queimam as pontas podadas. Aroma acre, empireumático, família número 4.
Nas adegas, coloca-se o "recém-nascido" nos barris e a safra 95 em garrafas. Período delicado, no qual o vinho se estressa.
"Ele não é muito cordial, o que é normal. O contrário seria inquietante", explica o viticultor.
A safra 93 é uma "explosão de equilíbrio". Ninguém, a não ser o proprietário, ousa cuspir na urna colocada sobre a toalha branca da sala de jantar.
Em Belair, primeiro "grand cru" de Saint-Emilion, a "castelã" recebe nas caves (adegas subterrânea). Espaço não falta.
São sete hectares cavados no solo calcário e distribuídos em três níveis. Ao lado, sob uma auréola de fumaça, um funcionário borrifa enxofre sobre os barris para desinfetá-los. Aroma satânico; família desconhecida.
Nova visita e mais degustação. Estamos à beira de uma verdadeira pane dos sentidos. "É bom, muito bom", comentam os alunos, que terão degustado 30 vinhos em três dias, sem contar as refeições.
Fim do estágio, ninguém cogita tomar a "saideira" antes da despedida. Além disso, haverá o reencontro no nível 2 ("Os sentidos do Bordeaux", curso avançado).
Leia abaixo alguns truques dos "connaisseurs" para que o vinho seja ainda melhor:
* O COPO - O tipo champanhe se degusta em um "fl–te" (copo longo e estreito) e o bordeaux, em um copo tulipa incolor. Segura-se o copo pelo pé ou pela haste, jamais pelo corpo.
* A CAVE - Se em Bordeaux não há metrô, é devido às caves. O ideal é que sejam em abóbadas, em temperatura (13ºC) e umidade (85%) constantes, sem luz, odores ou vibrações.
Nessas condições, o vinho dura mais tempo. Caso contrário, ele evolui rapidamente. Deve-se evitar principalmente as variações bruscas de temperatura e nunca colocar garrafas em pé. Em Bordeaux, uma cave digna de assim ser chamada comporta pelo menos 200 garrafas.
* AS CARAFES - Correndo o risco de decepcionar os "bebedores de rótulos", a maior parte dos vinhos tintos são melhores em carafes, garrafas transparentes que contêm aproximadamente um litro e são alargadas na base.
Os jovens devem ser transferidos para a carafe com certa energia, no claro, quatro ou cinco horas antes de serem tomados.
Os mais velhos, para que possam decantar, devem ser despejados com precaução uma hora antes da degustação. Vinhos antigos, com mais de 30 anos, são bebidos tão logo abertos.
* O SERVIÇO - Por facilidade, costuma-se servir os vinhos partindo do mais jovem ao mais velho, o que é um erro.
Deve-se servir do mais leve ao mais encorpado. O Saint-Emilion antes do Médoc. Os tintos jovens são bebidos mais quentes que os mais velhos (16ºC à 17ºC).
Os brancos secos são servidos à 10ºC/12ºC -um rápido estágio no congelador não é completamente proibido-, os licorosos à 6ºC/8ºC. Heresia extrema: usar o microondas para "requentar" os tintos.
* A DEGUSTAÇÃO - Ver, cheirar, provar. O neófito geralmente negligencia os dois primeiros passos. Para ver, deve-se inclinar o copo ao máximo, distinguir a transparência, a limpidez e as sutis nuances de vermelho, do rubi ao acastanhado.
Com o líquido em repouso, sente-se então o primeiro aroma. Depois o seguinte, fazendo o vinho girar na parede do copo, o que exige um pouco de treino.
Busca-se reconhecer então, entre as 11 famílias de aromas, o almíscar, o incenso ou a violeta. Depois se degusta, servindo-se do mais profundo olfato, e cospe-se para parecer profissional. Passa-se ao seguinte, respeitando-se o número máximo de seis testes.

Tradução Luiz Antonio Del Tedesco

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