São Paulo, sexta-feira, 12 de setembro de 1997
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Mídia supera a arte como pólo de atração

NELSON DE SÁ
DA REPORTAGEM LOCAL

No início do ano o diretor Gerald Thomas, que era ator de uma peça sua, "Os Reis do Iê-Iê-Iê", programou uma apresentação em São Paulo. Depois veio a descobrir que, no mesmo dia, tinha uma entrevista no programa "Manhattan Connection", entrevista a ser gravada em Nova York, onde mora.
Priorizou a entrevista. A peça foi apresentada no dia marcado, com uma intervenção do ator/diretor por telefone. Até o corte do fio do telefone pela protagonista, Bete Coelho, o mais que fez o diretor foi recomendar, ao público presente, que acompanhasse sua entrevista no canal tal, dia tal.
O episódio retrata e talvez ajude a esclarecer este fenômeno recente que leva artistas como Gerald Thomas, o cineasta Arnaldo Jabor, o ator José Wilker, consagrados no teatro e no cinema, a trocar o palco pela mídia. Ou a arte pela crítica.
É inquestionável e repetido à náusea que não se produz teatro ou cinema, ou a arte em geral, com a facilidade de outros tempos. Mas é sobretudo o significado da arte, sua importância e repercussão, que é questionado hoje, mais do que os seus obstáculos.
Não vem de agora a afirmação de que a crítica, ainda que não necessariamente a de jornal ou televisão, superou a arte. Ou melhor, que tem mais arte do que a arte formal, assumida como tal. Críticos literários ou de teatro como Harold Bloom e Décio de Almeida Prado já foram mencionados como superiores, nos seus textos, às obras criticadas.
Sim ou não, o certo é que a hipertrofia da mídia, do jornal, da televisão, mais visível há duas ou três décadas, levou à superação da arte como pólo de atração. Um comentarista de televisão ou um colunista de jornal, se não chega a vencer a arte de um encenador, pode vencê-lo em exibição pública.
É uma exibição fugaz, desaparece no dia ou no minuto seguinte, mas é o bastante.
O artista Gerald Thomas, nos seus textos para jornal, naqueles que publicou em "O Globo", é um outro, muito diferente do autor das peças, tão criticado desde o início. A sua dramaturgia desde meados dos 80, não-linear, de impressões e citações, amealhou uma aversão que os textos de jornal diário não causam mais.
O raciocínio é mais claro, linear, as citações não são mistificadoras. É um crítico da cultura, antes de um artista.
E ao contrário, por exemplo, de Jabor, é um crítico que ainda não desistiu inteiramente da arte. Está para estrear no Rio um projeto teatral de uma década, com um texto inédito do poeta Haroldo de Campos. Este, aliás, outro modelo comumente mencionado de um crítico-artista, ou vice-versa.

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