São Paulo, sexta-feira, 12 de setembro de 1997
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'Tive mais música que comida', diz Neneh

SÉRGIO DÁVILA
ENVIADO ESPECIAL A LONDRES

Há um tripé estrutural no Free Jazz. Tradição, sucesso de público e licença poética são os três itens dessa combinação desde o início, e não será diferente em 1997.
Pois a sueca Neneh (pronuncia-se "nêna", e não "nenê") Cherry, 33, faz parte da "licença" -Jamiroquai é o "sucesso" e Pharoah Sanders, a "tradição", para dar outros exemplos.
Atração dos dias 10 (São Paulo) e 11 (Rio de Janeiro) de outubro do festival, a autora do hit "Woman", atualmente na MTV, é poderosa -lança disco quando quer, e não quando a gravadora manda, algo raro para a idade dela.
Neneh é filha de uma pintora e de um percussionista, mas criada pelo trumpetista "maluco" Don Cherry (1938-1996) -que também se apresentou no Free Jazz.
Desde a estréia no mundo da música, em 1980, apenas três discos ultrapassaram o "ISO 9000" pessoal da rainha do dance pós-rap: "Raw Like Sushi" (89), "Homebrew" (92) e "Man" (96).
Neneh vive atualmente em Londres, cidade com a qual mantém uma relação neurótica (foi estuprada aqui há alguns anos, episódio sobre o qual não comenta).
Ela falou à Folha na manhã de anteontem; leia abaixo os principais trechos da entrevista.
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SHOW NO BRASIL - "Ainda não sei o repertório exato. Tocarei um pouco de cada um dos três discos, tendo como base os shows que venho fazendo nos festivais de verão da Europa. Mas é aberto: atenderemos a pedidos do público e, claro, a única certeza é 'Seven Seconds', que sempre canto."

RACISMO - "Imagine uma negra vivendo na Suécia: claro que já sofri. Eu, meu pai e meu irmão éramos diferentes deles. Passei minha infância e adolescência sendo lembrada da minha cor. Há outros tipos de racismo, também, como o sexual, que para alguns é sexismo, mas para mim é racismo igual. Nunca estive no Brasil, mas sei que nesse ponto é um lugar difícil."

JAMES BROWN - "Sim, meu hit 'Woman' é uma resposta ao disco 'It's a Man's Man's Man's World', de James Brown. Quando estava escrevendo a música, fiquei com medo que as pessoas pensassem que eu estava pregando a supremacia das mulheres.
Não é isso: queria dar conta do esforço da mulher de sobreviver num mundo de homens. É uma homenagem a muitas lutadoras, minha avó, minha mãe. Mas batizei o disco de 'Man' porque eu gosto de equilíbrio. Dentro de mim tem bastante mulher, mas eu carrego muito homem também."

PRÓXIMO DISCO - "O tema e o nome provável será 'Vida'. O disco será como uma loja, e cada faixa, um departamento, ou um andar, em que várias coisas vão acontecendo. Será algo na linha do filme 'Short Cuts', de Robert Altman."

MÚSICA BRASILEIRA - "Tive sorte de crescer numa família de músicos. Música era quase igual a comida em casa -aliás, às vezes, tínhamos mais música que comida. Passei minha infância com músicos como Naná Vasconcelos, lembro de Don (Cherry) tocando um instrumento africano, enquanto Naná o acompanhava com berimbau. Ouvi muito Milton Nascimento, Gilberto Gil."

DON CHERRY - "Havia uma comunidade de músicos que vivia em torno de Don e de minha mãe o tempo todo. Foi um privilégio crescer ali. Era quase como uma sociedade ingênua, de crianças musicais. Para você ter uma idéia, Don preferia tocar com jovens instrumentistas, que estavam começando, a tocar com os grandes.
Ele sempre se arriscou, e foi isso que tentou nos ensinar, que não há certo ou errado em música. É difícil dizer exatamente em que a música dele influenciou a minha, mas espero que algo esteja lá."

O jornalista Sérgio Dávila viaja a convite da produção do Free Jazz.

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