São Paulo, domingo, 14 de setembro de 1997
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O hipermercado de Mercado

Com uma capa de shantung de seda branca, bordada com cristais e pedras semipreciosas, avaliada em US$ 20 mil e feita especialmente para a ocasião, o megaesotérico Walter Mercado desembarcou há 15 dias no Brasil para uma visita de uma semana.
O astrólogo porto-riquenho gravou por aqui participações nos programas da Xuxa -que, segundo ele, não vai ser mãe tão cedo-, Serginho Groisman, Regina Casé e Athayde Patrese. O objetivo da visita foi consolidar suas conquistas: sua linha 0900, "Walter Mercado e seus Discípulos", é líder em chamadas no país, com 2.000 ligações por dia.
Seu serviço conta com 26 centrais e 2.500 consultores -300 só no Brasil-, que trabalham 24 horas por dia, sete dias por semana. Os "discípulos" de Walter Mercado fazem previsões sobre amor, finanças, amizade e saúde por meio de tarô, astrologia, runas, búzios, I Xing e numerologia, de acordo com a vontade do cliente, que também pode escolher o esotérico de sua preferência.
O enorme sucesso das linhas 0900 permitiram que Walter assinasse com Rupert Murdoch, dono da multinacional do setor de comunicações News Corp., um contrato de U$ 15 milhões para estender o serviço a outros Estados norte-americanos.
O império de Walter inclui também sete livros, colunas de horóscopo para diversos jornais, programas de rádio em mais de 300 estações -que ele chama de "vitaminas diárias para a alma"- e programas de TV: "Walter e as Estrelas", "O Show de Walter Mercado" e "Walter Mercado e os Signos do Amor", uma espécie de "Em Nome do Amor", o programa de encontros amorosos da SBT, mas com um empurrãozinho dos astros. Há ainda CD's com mensagens espirituais e previsões astrológicas, que já venderam 200 mil cópias nos EUA, e uma empresa que vende velas, incensos, amuletos e cartas de tarô.
O mercado brasileiro, invadido por Walter em 95, corresponde a X% do faturamento do esotérico, cujo total bruto anual ultrapassa a marca dos US$ 150 milhões.
Sobre a crítica de Omar, de que seus "discípulos" seriam maltreinados, Walter diz que as entrevistas de seus atendentes são gravadas e aleatoriamente ouvidas para haver um controle de qualidade.
O "Bill Gates do esoterismo" não só não esconde, como defende sua fortuna: "Profetas que vestem trapos só pensam em pão e não em Deus. Não dá para ser uma inspiração se você é um fracasso. Mas nada vem fácil. Trabalhei duro toda a minha vida e continuo trabalhando."
O astrólogo já não faz mais consultas particulares, a não ser para clientes ilustres, que incluem, segundo ele, Bill Clinton, Madonna, Susan Sarandon, Juliette Binoche e Isabella Rosselini, entre outros.
Walter recebeu a reportagem da Revista da Folha em sua terra natal, Porto Rico, na principal das suas oito casas. Com quatro quartos, em um bairro de classe média alta em San Juan, a casa é lotada de quadros, fotos, objetos de decoração e lembranças de uma já longa carreira. No local está também a biblioteca de Walter, com mais de 10 mil livros, e um pequeno espaço para meditação, onde "relaxa, fica quieto para Deus pôr novas idéias na minha cabeça".
Alto, corpulento e falso loiro, Walter está sempre vestido de forma extravagante, com fraques, ternos de lantejoulas e capas (tem mais de 3.000), armazenados em uma casa que serve apenas como guarda-roupa. O místico também adora jóias -sempre anda com pequenas fortunas em torno dos dedos. Vaidoso, Walter se indignou com o pedido de uma foto "natural". "É um absurdo, nunca estou informal: eu acordo assim."
Walter sempre pergunta o nome e o signo da pessoa, nessa ordem. Fala muito, com humor e ironia. Conta que nasceu no mar, em um barco que ia da Espanha para Porto Rico, sob o signo -apropriado- de peixes. Foi uma criança fraca e doente, que se destacava nos estudos por não poder brincar. "Adorava conversar com meus 'amigos invisíveis' e fazia cerimônias e oferendas para os quatro elementos", conta.
Aos seis anos, Walter teria previsto que o sino do colégio ia cair. No dia seguinte, no mesmo horário, houve um abalo sísmico na cidade e o sino despencou da torre. Isso, somada à cura de um pombo doente atribuída ao menino, teria sido suficiente para atrair centenas de visitantes à casa de "Walter dos Milagres".
Antes de místico profissional, Walter foi ator, dublador e dançarino de flamenco. Em 1969, substituiu por acaso um convidado de um programa de TV que faltou. Walter estava no estúdio porque gravava uma novela na qual representava um príncipe indiano. Sentou-se na cadeira do entrevistado com a fantasia do personagem e falou "15 minutos sem parar" sobre astrologia. No dia seguinte, ganhou um programa só seu de previsões, que está até hoje no ar.
O místico tem uma formação mais do que eclética: mistura catolicismo, hinduísmo, judaísmo, sikh, testemunhas de Jeová, cientologia e até vuduísmo. "A iniciação no vuduísmo é muito rigorosa. Tive de dormir nove noites em um caixão no cemitério para celebrar o pacto com os espíritos mortos", conta.
De aparência andrógena, Walter diz ter feito um voto de castidade na Índia, que pode ser rompido caso encontre a "pessoa ideal". "Não me sinto frustrado. Não preciso de sexo, tenho orgasmos cósmicos com a meditação."

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