São Paulo, segunda-feira, 15 de setembro de 1997
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Quem ri por último...

GUSTAVO IOSCHPE
ESPECIAL PARA A FOLHA

Cada vez mais me convenço de que a grande, a fundamental diferença entre os seres humanos encontra-se entre os bem e os mal-humorados. Não sei quem vai se dar melhor no dia do Juízo Final -até porque todo esse papo é muito chato para nós, gozadores-, mas fica óbvio a cada dia que passa que, mais do que o dinheiro ou uma mulher maravilhosa, o humor é o bem mais necessário nestes dias, especialmente no Brasil.
Cheguei a essa conclusão num posto de saúde, quando estava de férias no país. Fui lá pra conseguir um atestado de que eu havia tomado uma vacina há alguns anos. Expliquei o meu caso para o atendente, mas, quando ele ouviu que a vacina tinha sido aplicada há alguns anos, deu uma certa desanimada. Disse que ia ser difícil alguém lembrar. Aí eu achei que o piadista era ele: não havia nenhum registro em um banco de dados? Foi então que o sujeito soltou o humorista escondido e me respondeu: "Magrão, a máquina mais moderna que nós temos neste posto de saúde é um mimeógrafo a álcool". Tive de dar uma gargalhada e tomar a vacina de novo.
Os mais sisudos -e sempre os há, porque toda semana chega alguma carta aqui de um mal-humorado renitente me mandando para aquele lugar porque a suposta piada caiu como ofensa- podem estar dizendo que deveria se ter mais cuidado com a saúde pública, que é um absurdo a miséria do atendimento sanitário no Brasil etc. e tal. Na verdade, ocorre o inverso: rir é que faz bem à saúde.
Até os cientistas, uns chatonildos contumazes, já admitiram em uma daquelas pesquisas tipo "quem come beterraba depois da sobremesa tem menos chance de desenvolver encefalite" que os que riem tendem a viver mais e melhor. Até porque os bem-humorados encaram os problemas de maneira diferente.
Tom Jobim, por exemplo. Parece que tinha seus momentos de cômico. Um dia, chegou ao Plataforma, célebre bar carioca, com o braço erguido, segurando uma garrafa de uísque, como uma Estátua da Liberdade Etílica. Indagado sobre a posição estranha em que carregava a bebida, confessou: "É que o médico mandou suspender o álcool".
Outro que ficou célebre por enfrentar as agruras da vida com muito deboche foi o comediante americano Groucho Marx. Certa vez, quis se associar a um clube, mas foi barrado por ser judeu. Escreveu, então, aos diretores do clube, segundo reza a lenda, e disse que queria ficar sócio para que sua filha pudesse tomar banho de piscina. Como ela era só meio judia (só o pai era judeu), Groucho prometeu que a menina só iria usar a piscina da cintura pra baixo, de forma que o lado judeu ficasse de fora d'água. O fim da história todo mundo conhece: Groucho teve seu pedido de entrada aceito, para então responder, triunfal, que não se associaria a nenhum clube que o aceitasse como sócio. Era a vitória definitiva dos escrachados sobre a outra metade da humanidade. Quem ri por último, afinal, ri melhor.
*
Saiu "Flor de Obsessão", coletânea das 1.000 melhores frases de Nelson Rodrigues. Impagáveis. Algumas pérolas:
"Desde o câncer no seio até a brotoeja, tudo é falta de amor."
"Amar é ser fiel a quem nos trai."
"O sujeito que nega a existência de Deus devia ser amarrado num pé de mesa e beber água, de gatinhas, numa cuia de queijo Palmira."
"Há homens que, por dinheiro, são capazes até de uma boa ação."
"A Europa é uma burrice aparelhada de museus."
Num diálogo com Hebe Camargo: "A mulher gosta de apanhar". "Todas?" "Nem todas. Só as normais. As neuróticas reagem."

fala-bagual@geocities.com

Texto Anterior: "Energy drinks" viram febre em SP
Próximo Texto: Beck diz que é fã de Jorge Benjor
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.