São Paulo, segunda-feira, 15 de setembro de 1997
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Niemeyer celebra 60 anos de carreira

Aos 89, arquiteto escreve romance e fala da vida

SILVIO CIOFFI
EDITOR DE TURISMO

Cada um dos projetos de Oscar Niemeyer, que completa 60 anos de carreira com 415 obras executadas em 18 países, começa com desenhos delicados e termina em estruturas líricas de concreto.
Mas, curiosamente, não é só sobre arquitetura que Niemeyer mais gosta de prosear. Para ele, aliás, a vida tem bem mais importância do que a arte.
E é para falar da vida que Oscar Niemeyer recebe amigos quase todos os dias, entre conversas cálidas e cálices de vinho do porto.
Até dezembro, quando completa 90 anos, Niemeyer -que tem diante de seu estúdio uma linda vista do Rio- publica um novo livro, o romance "Diante do Nada" (editora Revan).
Leia, a seguir, trechos de depoimento do arquiteto sobre o Rio e o Brasil, os amigos e as andanças que fez e faz pelo mundo -evitando sempre as viagens de avião.
*
VOLTAR AO RIO - "É fantástico voltar de navio para o Rio, passando entre as ilhas e praias cercadas de montanhas. Um dia tive um sonho estranho. Os portugueses tinham chegado ao Rio. Era a descoberta do Brasil, e, maravilhados, determinaram: 'A nova cidade deve ser construída a um quilômetro da praia. Isso tem que ser preservado como o paraíso das novas gerações'. Mas não foi isso que aconteceu, e a cidade cresceu, invadindo praias e morros, esmagando os homens, os mais pobres principalmente, injusta como a própria vida. Sempre que falo no Rio sou obrigado a falar nos velhos tempos dessa cidade tão ofendida. No Ponto Chic, no bar Americana, na rua do Ouvidor e Gonçalves Dias.
Naqueles tempos, como era fácil e agradável passear pelo centro da cidade. Muita coisa mudou, as praias encolheram, a areia já não é tão branca como antes, mas a cidade continua bonita, e o carioca, displicente diante da vida, não por razões filosóficas, mas porque a natureza assim exige."
VIAGENS E MEDO DE AVIÃO - "Paris está no meu 'museu particular', principalmente o Boulevard Raspail, onde morei. Ah, como me adaptei àquele bairro! A Coupole e os pequenos restaurantes que Sartre frequentava. As ruas arborizadas, as livrarias, o homem do pequeno bar, que já nos conhecia, as mulheres bonitas que passavam, elegantes e perfumadas.
Gostava também da Argélia, do Carlsbar, das histórias da revolução. De encontrar os líderes dos países africanos, que tentavam a liberdade das suas terras, de ouvir nosso camarada Gregório Bezerra lhes dizer convincente: 'Vejam, o céu, o mar, os rios, a todos pertencem, só a terra pertence a um pequeno grupo de privilegiados'.
Agora quero conhecer o Brasil. Dizem que os navios vão parando até o norte. Vou num deles. A última viagem que fiz a Pernambuco, para atender Marco Maciel, foi a mais estranha e divertida. Fui de navio até Salvador. Fiquei lá com Lelé uns três dias.
Marco Maciel mandou me buscar de carro, e lá fui eu, tomando banho de mar até Recife. Sempre viajei com amigos, em grupo, rindo à toa. Fiz uma viagem ao Rio Grande do Sul de gasogênio em nove dias. O chofer, a cada cem quilômetros, brigava com o carvão. Nada nos preocupava, sentados na estrada a contar histórias.
Afinal chegou Porto Alegre e durante uma semana a casa de Eloá foi o nosso recreio predileto. Hoje, é a Universidade de La Plata, que faz cem anos, que me convoca. Ela e 700 assinaturas de alunos pedindo minha presença. Querem me dar um título e estou na sinuca, sem saber como chegar."
VIAJAR DE NAVIO - "Uma vez, fiz uma viagem de navio da França para os EUA, no Queen Elizabeth 2ª. Navio enorme, até cassino tem. Mas prefiro os navios menores."

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