São Paulo, sexta-feira, 19 de setembro de 1997
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'Contato', o livro, une erudição, didatismo e ironia

ALESSANDRO BARROS
ESPECIAL PARA A FOLHA

Esqueçam que Carl Sagan foi um cientista e que seus livros usam, às vezes, uma linguagem ininteligível para os não iniciados em física e matemática, ao ler "Contato", livro relançado pela Companhia das Letras.
Nascido de um roteiro de cinema de Sagan e Ann Druyan, em 1980, "Contato" somente foi publicado em 1985, nos EUA, e em 86, no Brasil, pela editora Guanabara.
Na abertura, tem-se uma sensação de desconforto, as frases não fazem muito sentido e estão em itálico. Entretanto, avançando um pouco, as letras voltam ao normal, e o leitor se depara com a personagem principal, a futura cientista Eleanor Arroway que, naquele momento, estava nascendo.
A partir daí, acompanhamos sua trajetória desde pequena, até sua nomeação para a direção do projeto Argus, destinado à pesquisa de inteligência extraterrestre.
Nos capítulos subsequentes, encontramos os mesmos caracteres em itálico, que continuam a não fazer muito sentido.
Até que um dia os radiotelescópios do Argus captam estranhos ruídos não identificados vindos da constelação de Vega. Neste momento, o texto em itálico passa a fazer sentido. Percebe-se que duas histórias estavam sendo narradas paralelamente -a da geração e envio das ondas de rádio de um local muito distante para a Terra e a história do crescimento de Arroway-, de modo a convergirem para a captação dos sinais.
A partir disso, a história se desenrola em uma sucessão de descobertas e o que parece ser, na sua primeira decodificação, uma mensagem somente com a sequência dos números primos.
Na verdade, o texto traz uma superexposição de mensagens (como as camadas de uma cebola) que, ao serem decifradas, revelam uma das primeiras cenas televisionadas na Terra -Hitler saudando o povo na abertura dos Jogos Olímpicos de Berlim- e o desenho detalhado do que parece ser uma espaçonave.
É inegável que, para os que não têm domínio de física e matemática, algumas discussões e piadas não têm sentido. Mas elas podem ser desprezadas, sem prejuízo para o entendimento do livro.
Mesmo porque a história do contato serve apenas de pano de fundo (é a casca da cebola) para uma discussão sobre dogmas.
Na obra, Sagan, além de usar seu conhecimento para dar explicações simples para problemas aparentemente complexos, destila sua ironia, ao criar uma tripulação multirracial.
A propósito, a camada mais profunda da cebola pode ser resumida em uma frase, ao final do livro, referente a Arroway: "Durante toda a sua vida, estudara o Universo, mas desprezara sua mais clara mensagem: para criaturas pequenas como nós, a vastidão só é suportável por meio do amor".

Livro: Contato
Autor: Carl Sagan

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