São Paulo, domingo, 21 de setembro de 1997
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Sartre e Jango são lembrados

Leia a seguir mais trechos do livro. Furtado lembra de seu encontro com o filósofo francês Jean-Paul Sartre e do governo de João Goulart (1961-1964).
*
Furtado e Sartre
"Na saída, descobriram que não havia um carro para conduzir Sartre ao hotel. Pus minha camionete à sua disposição, servindo eu de motorista. Enquanto corríamos pelas ruas do Recife, em direção a Boa Viagem, mostrou-se curioso de saber de que me ocupava. Expliquei que era o responsável pela nova política para o Nordeste, que ele qualificara de 'plaisanterie'. Anos depois, quando o encontrei em Paris, na situação de exilado, ele riu das circunstâncias em que nos havíamos conhecido. Disse-me: 'Tenho tentado, sem êxito, publicar um número de "Les Temps Modernes" sobre o Brasil. Começa que os brasileiros não respondem cartas'. Prometi-lhe que organizaria o número. Obtive a colaboração de Hélio Jaguaribe, Francisco C. Weffort, Fernando Henrique Cardoso, Florestan Fernandes, José Leite Lopes, Otto Maria Carpeaux, Jean-Claude Bernardet e Antonio Callado, e três meses depois o número brasileiro da prestigiosa revista de Sartre estava circulando. Graças ao interesse que suscitou, foi traduzido na forma de livro para outras línguas européias."
*
O ovo da serpente
"O governo Goulart, desde os seus primeiros dias, vinha sendo mantido em estrita observação e, pela metade de 1963, aparentemente os norte-americanos já haviam feito a opção pelos grupos que se empenhavam em abatê-lo. Estive em Nova York, no primeiro trimestre de 1963, para integrar um grupo de especialistas em planejamento econômico convocado pelas Nações Unidas, e lá encontrei San Tiago Dantas. Impressionou-me seu estado de desânimo. As iniciativas irracionais que brotavam aqui e ali na cena política brasileira, ele as via como peripécias, e tendia a minimizar o seu significado. Impacientava-se quando alguém dava muita importância ao secundário, perdendo de vista o essencial.
David Rockefeller, na época o chefão do Chase e possivelmente o homem que em Wall Street dava as cartas quando se tratava de opinar sobre o que fazer com o Brasil, chamou San Tiago Dantas ao telefone e lhe passou o que bem se pode chamar de espinafração: 'Ou vocês retiram de imediato esse projeto de lei ou eu mando cortar todas as linhas de crédito de que hoje se beneficia o Brasil'. Ele sabia, mais do que ninguém, que o Brasil estava no limite do sufoco no que respeita ao financiamento de curto prazo em suas transações comerciais com o exterior."

Texto Anterior: 'Economia ajudou a entender problemas'
Próximo Texto: CRONOLOGIA
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.