São Paulo, domingo, 21 de setembro de 1997
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SP quer virar 1º Mundo por decreto

ROGERIO SCHLEGEL

ROGERIO SCHLEGEL; MAURÍCIO RUDNER HUERTAS
DA REPORTAGEM LOCAL

Projetos de vereadores acabam com mendigos, criam semana da moda e capital gastronômica e vetam venda de cigarro

O vereador Altamiro Cardoso (PPB) arrumou um jeito de acabar com os mendigos de São Paulo. Ele decidiu apresentar um projeto vetando o uso da expressão mendigo.
Se passar, pessoas mal vestidas continuarão dormindo sob pontes e pedindo esmola, só que já não serão mendigos, mas "moradores de rua".
Como essa, existem outras iniciativas da Câmara da capital paulista tentando empurrar a cidade para o Primeiro Mundo com a caneta.
São leis e projetos que se multiplicaram na atual safra de vereadores, que assumiu em janeiro, e tentam levar o paulistano ao país das maravilhas artificialmente.
A cidade ganhou, por exemplo, o título de "capital mundial da gastronomia". Só que não houve eleição e ele foi oficializado pela própria Câmara, com o aval da representação comercial ou consular de vários países na cidade.
A honraria também esconde um engano: outras oito cidades do mundo também ganharam o título. Todas são "a" capital mundial da gastronomia, uma solução que respeita o bom-senso, mas atropela o bom português.
"É uma distorção desleal para iludir o consumidor", diz o chef Laurent Suaudeau, presidente da Associação Brasileira da Alta Gastronomia. "Depois, não somos nós que temos que dizer que somos bons. O negócio é trabalhar e deixar que os outros digam."
Se depender do Legislativo, São Paulo terá menos fumantes que qualquer cidade norte-americana, terá uma moda tão badalada quanto a de Milão e uma happy hour mais concorrida que a de Londres.
A realidade paulistana está longe disso. O fumante traga onde é proibido, o maior estilista da cidade mora em Paris e as pessoas preferem beber em casa para esquecer da violência das ruas.
"O que pode melhorar a cidade é a participação da sociedade e a ação consistente e fiscalizada do poder público", afirma a socióloga Vera Chaia, do Departamento de Política da PUC (Pontifícia Universidade Católica). "É a vivência cotidiana que transforma a cidade, não uma lei."
A intenção dos vereadores parece louvável, mas seu método é simplista.
Ivo Morganti (PFL), que propõe uma "lei seca" para os cigarros, impedindo fabricação e venda na capital, resume assim a inspiração de seu projeto: "O brasileiro às vezes têm dificuldade em aprender pela educação. Aí, o jeito é proibir".
A justificativa de Altamiro Cardoso, o vereador dos mendigos -ou melhor, dos moradores de rua-, não fica longe: "Por mais simples que seja o benefício a ser oferecido a essas vítimas da sociedade, não há dúvida de que, para elas, o mínimo muito representa".

LEIA MAIS nas págs. 3-2 e 3-3

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