São Paulo, domingo, 21 de setembro de 1997
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Mestre das metáforas

CARVALL
ESPECIAL PARA A FOLHA

Trimano, artista gráfico argentino, é um desses craques de boa cepa que de tempos em tempos desembarcam por estes campos-redações do país, emprestados de culturas vizinhas e que acabam se fixando definitivamente no Brasil.
Hábil, inteligente, possuidor de sólido conhecimento técnico e aquele espírito aguerrido típico dos portenhos, desde que aqui chegou, nos anos 60, só fez apresentar-se nos mais importantes gramados do Brasil: jornais como a Folha -onde colabora atualmente-, "Última Hora", "Opinião", "Argumento" e "Jornal da Tarde" e revistas como "Veja" e "Realidade" foram campo de luta e oficina de trabalho deste grande desenhista que se notabilizou nas décadas de 70 e 80 como um dos mais influentes caricaturistas da sua geração.
Como um Maradona do lápis, aprendeu a fintar a forte marcação da censura nos piores anos da repressão, quando a regra era nunca bater de frente contra a zaga adversária, que pegava duro e tinha o juiz a favor. Por conta disso, e jogando diariamente, foi se transformando num exímio driblador, sendo a metáfora sua principal arma.
O apuro técnico revela-se no desenho minucioso e gráfico que impressionou fortemente e serviu de modelo para artistas do quilate de um Cássio Loredano ou mesmo de um Emílio Damiani, confirmando uma ramagem dentro da caricatura brasileira que tem a raiz em Guevara e Figueroa (ambos importados) e o tronco em Nássara.
Seu trabalho ainda hoje emana o vigor da arte pré-computador, as soluções plásticas de textura e volume são lenta a prazerozamente atingidas pelo adensamento ou rarefação de elementos como pontos ou pequenas linhas que vão revestindo o desenho. Ele ainda domina como poucos o nanquim a bico de pena, o claro/escuro e, por vezes, se dá ao luxo de verdadeiras provas de virtuosismo técnico ao usar simples canetas esferográficas em ilustrações para livros ou cartazes.
Nenhum dos elementos na imagem é trabalhado de modo aleatório: a construção do desenho, mesmo os de distorção mais radical, obedece ao seu profundo conhecimento de anatomia e perspectiva; o acabamento é sempre impecável, atendendo à necessidade de legibilidade imposta pelo veículo; o uso da cor é parcimonioso, e a composição, objetiva, como exige uma ilustração para jornal.
O livro "Trimano", recém-lançado pela Relume-Dumará, apresenta uma série de ilustrações feitas nos últimos anos para o caderno de economia da Folha. Percebe-se nele um artista diferente do início da carreira, marcadamente expressionista. Trimano já não usa da deformação acentuada de uma personagem central, em torno da qual todos os demais elementos giram, como princípio para o comentário visual. Prefere centrar sua atenção para a composição, cada vez mais trabalhada no sentido da narração. Seus espaços não são mais meras representações do real e devem ser apreendidos como um sistema de signos que se completam de forma não-linear.
À maneira dos surrealistas o artista vai dispondo de imagens que, tiradas de seu contexto vulgar, são justapostas a outras que também o foram, criando colagens cujo clima é de estranhamento e de fina e implacável ironia. É novamente a metáfora sendo usada, agora como contraponto à linguagem obscura e iniciática que povoa os cadernos de economia: não raro, vemos insetos, répteis e objetos de uso cotidiano misturados a seres humanos e cifrões, ilustrando textos que falam de globalização, privatização ou balança comercial.
A distorção da forma dá lugar a inversão da função das coisas e consequentemente de seus valores. Assim o artista põe do avesso o que está escrito, traduzindo-o de maneira pessoal e mordaz.

Exposição:
A mostra "Trimano", com desenhos e ilustrações do autor, está em cartaz no Museu da Imagem e do Som (av. Europa, 158, SP), de terça a domingo, das 14 às 22h, até o próximo dia 28.

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