São Paulo, domingo, 21 de setembro de 1997
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Nova "Dancin'Days" pode ser ovo da serpente do 2º mandato

FERNANDO DE BARROS E SILVA
EDITOR-ADJUNTO DE OPINIÃO

Há uma agitação em torno da novela "Dancin'Days". Primeiro, foi a notícia de que iria esquentar o horário do "Vale a Pena Ver de Novo"; agora, somos informados de que a Globo considerou isso pouco e resolveu regravar a novela para exibi-la em horário nobre.
A nova versão só deve ir ao ar dentro de um ano, mas já movimenta os bastidores da emissora. Espera-se, com uma expectativa certamente equivocada, a volta triunfal de Sônia Braga, a maior estrela do original.
"La Braga" à parte, esse remake sugere coisas interessantes à imaginação. Ele marca o retorno de Gilberto Braga à mesma novela que o consagrou há 20 anos como o autor que traduziu ao país os anos do desbunde e da discoteca, da anistia e da tanga do Gabeira.
O mesmo Gilberto Braga que, 10 anos depois, em 89, iria conhecer um sucesso ainda maior com "Vale Tudo", novela que, da empregada doméstica ao presidente da Fiesp, foi vista na época como um painel irretocável de um país coalhado de corruptos em processo avançado de degradação.
Para refrescar a memória, não custa lembrar que a música de apresentação de "Dancin'Days", cantada pelas Frenéticas, convidava ao deleite: "abra suas asas/ solte suas feras/ caia na gandaia/ entre nessa festa".
Já a música de "Vale Tudo", de Cazuza e cantada por Gal, desafiava a todos: "Brasil, mostra tua cara/ quero ver quem paga/ para a gente ficar assim/ Brasil, qual é o teu negócio/ o nome do teu sócio?/ confia em mim".
No primeiro caso, o convite à farra; no segundo, a consciência culpada da ressaca. São novelas que, sem dúvida, estavam conectadas com a vida real, mas suspeito que não da forma que habitualmente se imagina. Digamos que, nos dois casos, Gilberto Braga atirou no que viu e acertou no que não viu.
Explico. Estamos acostumados à idéia de que a novela reproduz a realidade social. A esquerda adora esse argumento, mas raras vezes seu esquemão resiste aos fatos.
Nos casos de "Dancin' Days" e "Vale Tudo" é mais provável que tenham sido antes sintomas de época involuntários. Ambas anteciparam, em negativo e sem querer, uma tendência histórica que se revelou exatamente o contrário daquela que as novelas acreditavam "refletir".
O que foram as purpurinas, os neons e o desbunde de "Dancin' Days" senão a compensação imaginária das frustrações de um país que fez a sua abertura política mas continuou girando em falso, para a seguir entrar na década de 80 -a perdida- mergulhado numa de suas mais profundas ressacas?
Com "Vale Tudo", isso é ainda mais evidente. Ao expor a podridão das elites, a novela funcionou como catarse, purgante moral -e seu efeito foi claramente redentor. Isso em 89, no momento em que o país ingressava num processo inédito de "crapulização", capitaneado por Collor e seu bando alagoano, mas sustentado pela elite com sede na avenida Paulista.
A consciência da "ressaca redentora" se revelou na verdade o prenúncio de uma nova e imensa bandalheira, na qual, aliás, a Globo teve participação ativa como o maior cabo eleitoral do "caçador de marajás".
Tudo isso é passado. Ano que vem, teremos a nova "Dancin'Days". Poderia se chamar "Fashion Days". Quem sabe a nova novela, na dialética entre farra e ressaca, não seja um autêntico ovo da serpente do segundo mandato?

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