São Paulo, segunda-feira, 22 de setembro de 1997 |
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'A Falecida' é obra pessoal de Hirszman
INÁCIO ARAUJO
O primeiro, que nos introduz aos personagens e à trama, retoma uma postura característica da época. O povo é visto como resignado, místico (na pessoa de Zulmira/Fernanda Montenegro), ou alienado (seu marido -Ivan Cândido- é um desempregado que só pensa em futebol). O segundo ato tende ao intimismo. É quando se desenvolve a obsessão de Zulmira pela morte e pela idéia de compensar as misérias e humilhações da vida com um enterro suntuoso. Se já no início o trabalho de câmera e a decupagem se caracterizam pela elegância (temperada por algumas passagens de sequência violentas), desde que a trama se estabelece Leon Hirszman enfatiza esse viés. Temos então um Nelson Rodrigues "desobsessivo", em que o trágico é abandonado pelo dramático. Um Nelson Rodrigues em tom baixo, como nunca antes houve. O tratamento sofisticado da imagem chega, não raro, nesse momento, a discrepar do ambiente em que a história se desenvolve. A discrepância não incomoda, diga-se, embora as imagens por vezes façam lembrar o cinema europeu dos anos 60. O desfecho é uma espécie de reconciliação com o universo do dramaturgo: a perversão, o cafejestismo, os movimentos de alma (e corpo) imprevisíveis, irracionais, revelam-se ao espectador. "A Falecida", na visão de Hirszman, tem um quê de filme sobre as mágoas e ódios do matrimônio (um pouco como os "Credores", de Strindberg), um quê de drama social, em que o ambiente suburbano joga um papel importante (são personagens que se movem sem saber por que, um pouco à moda dos "Pequenos Burgueses", de Gorki). Não que os personagens de Nelson Rodrigues não tenham nada disso. Mas eles se movem num turbilhão, em que a ordem das coisas é dada, e onde a profunda crise entre o homem e o mundo não tem origem social: é como se a totalidade cósmica tivesse sido rompida e o homem fosse abandonado por Deus, daí se originando a tragédia. Já Hirszman raciocina como marxista: a ruptura é essencialmente de natureza material, social. Errar não é próprio do homem ou da obscuridade das coisas, mas de uma ordem social específica. Isso nos conduz a um filme "de" Leon Hirszman, adaptado da peça de Nelson Rodrigues, isto é, a um trabalho eminentemente autoral, onde, não por acaso, desde as primeiras e deslumbrantes cenas o espectador é projetado nesse mundo singelamente mesquinho do subúrbio carioca. Aliás, um belo filme, com presença memorável de Fernanda Montenegro, embora prejudicado pelo som. Vale a pena enfrentar esse problema. Filme: A Falecida Produção: Brasil, 1965, 90 min. Direção: Leon Hirszman Com: Fernanda Montenegro, Paulo Gracindo, Ivan Cândido, Vanda Lacerda, Nelson Xavier, Joel Barcelos, Hugo Carvana Lançamento: CTAV/Funarte e Riofilme (021/220-7090) Texto Anterior: Sueca nunca recebeu Oscar por atuação Próximo Texto: Um Dia Muito Especial Índice |
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