São Paulo, quarta-feira, 24 de setembro de 1997
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A camisa-de-força dos planos de saúde

FERNANDO DA CUNHA MARQUES

No momento em que se discute a regulamentação dos planos de saúde como a grande solução para os males da assistência médica no Brasil, há muita gente interessada em aproveitar a ocasião para aparecer na mídia. Com seus discursos, em tom populista e eleitoreiro, em vez de esclarecer, confundem ainda mais a opinião pública.
Precisamos analisar friamente alguns pontos da lei que está sendo proposta à luz dos interesses do consumidor, que ao fim e ao cabo será o grande prejudicado se os planos forem obrigados a: 1) ressarcir o SUS pelos atendimentos prestados aos seus segurados; 2) dar atendimento sem exclusão de doenças; 3) não aumentar as mensalidades de associados com mais de 60 anos; 4) pôr fim aos aumentos ditos "abusivos".
Os defensores da regulamentação, pertencentes ao governo ou a entidades de defesa do consumidor, estão sendo utópicos. Esquecem-se de analisar as causas e as consequências do que estão propondo. Regulamentar é preciso; porém é necessário que se corrijam algumas distorções que vêm sendo insistentemente veiculadas.
Estão querendo regulamentar o produto plano de saúde, e não as empresas de medicina privada, nos moldes do que fez a Susep ao padronizar o produto seguro de automóvel, obrigando todas as empresas desse segmento a ter os mesmos valores e condições.
Com o fim da padronização, em 1982, as seguradoras já haviam se acostumado a ser iguais. Isso implicou uma cartelização do setor: as que tinham maior poder econômico divulgavam seus preços e condições e as demais apenas as imitavam.
Somente no início dos anos 90 é que essas empresas começaram a disputar o mercado, competindo por preços e criando novos benefícios para seus produtos. Quem ganhou com esse amadurecimento foi o consumidor.
A constante e inflamada discussão sobre o atual projeto de lei para regular os planos de saúde vem desnudando as mazelas da assistência médica pública em nosso país. É pura demagogia defender o ressarcimento ao SUS por parte das empresas privadas. Pagamos impostos e nossa Constituição reza que "saúde é um direito do cidadão e um dever do Estado".
É opção do segurado usar o Sistema Único de Saúde para aquilo que as empresas não se propuserem a cobrir pelo tipo de plano adquirido. Não só no Brasil como na maioria dos países de Primeiro Mundo, a medicina privada é apenas um complemento opcional à assistência médica pública.
Ao pretender transferir o ônus de sua incompetência para a iniciativa privada, o governo quer agora obrigar os planos de saúde a dar cobertura total para todas as doenças.
Claro que o plano ideal seria aquele que pudesse dar atendimento sem exclusão de doença. Mas isso é inviável: os planos de saúde não suportarão os altos custos acarretados por tantas exigências. Os clientes também sairão perdendo, na medida em que nem todos têm disponibilidade econômica ou vontade de pagar por todos os benefícios possíveis.
Para poder atender a todas as doenças sem restrições, as empresas de assistência médica teriam que rever seu cálculo atuarial. Consequentemente, o valor do plano aumentaria e o deixaria fora do mercado, pois atualmente grande parcela da população já não está conseguindo pagar nem sequer as mensalidades estipuladas. Muitas empresas vão quebrar e, em consequência disso, aumentará a demanda pela assistência médica pública -que, como todos sabem, está falida há tempo.
Uma outra realidade precisa ficar esclarecida: se os planos de saúde baixarem seus preços para pessoas com mais de 60 anos de idade, que são a minoria de nossa população, automaticamente terão de aumentá-los para todas as outras faixas mais jovens, que assim também não terão condições de pagá-los. Ninguém é carrasco e quer abandonar a terceira idade à própria sorte. Não só os aceitamos como há uma variedade de planos específicos para eles.
Quanto aos aumentos ditos "abusivos", as empresas de saúde estão apenas repassando para seus clientes o aumento dos insumos básicos, que são os valores cobrados pelos hospitais, clínicas e laboratórios. O custo da medicina cresceu sensivelmente, graças ao constante e rápido desenvolvimento da tecnologia hoje disponível para diagnósticos e tratamentos.
Como o leitor pode perceber, há limitações econômicas que devem ser consideradas. O governo deveria se preocupar com a saúde financeira das empresas, para que as mais idôneas e afinadas com as necessidades da população possam continuar no mercado. Para isso, bastaria obrigá-las a cumprir o contrato firmado entre as partes, sem a necessidade de colocar uma camisa-de-força no produto.

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