São Paulo, quarta-feira, 24 de setembro de 1997
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ESTÉTICA versus futebol

RODRIGO BERTOLOTTO
DA REPORTAGEM LOCAL

"O futebol não tem mensagem", é uma das conclusão do professor alemão Hans-Ulrich Gumbrecht, titular há oito anos da cadeira de literatura comparada da Universidade de Stanford, uma das mais conceituadas dos EUA.
Gumbrecht, 49, tem voltado sua produção acadêmica para o esporte e esteve ontem em São Paulo para dar a palestra "Estética do Futebol: Brasil x Alemanha", que faz parte do simpósio "O Olhar Alemão Sobre o Brasil", da USP.
Leia abaixo a entrevista em que fala sobre estética (filosofia da arte) e esporte e compara os esportes populares nos EUA com o futebol.
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Folha - A universidade pode contribuir para entender o esporte?
Hans-Ulrich Gumbrecht - A primeira coisa é não fazer brincadeiras intelectuais. Por exemplo, falar que o futebol americano é um sinônimo do capitalismo, que avança e perde terreno. Ou dizer que o beisebol é popular nos EUA porque recupera a vida rural perdida.
Isso é tão óbvio como falar que o esporte é uma compensação para os fracassos da vida cotidiana.
É preciso trazer toda a carga teórica para interpretar o futebol. A minha é uma análise estética.
Por exemplo, trazer a definição estética de Emmanuel Kant (1724-1804, filósofo alemão) do prazer desinteressado. O torcedor de futebol troca a vitória de seu time por boas jogadas.
Folha - O futebol vem entrando na academia. Entre os estudiosos da estética também acontece isso?
Gumbrecht - Os livros, museus, obras de arte são objetos do estudo da estética. Eles estão no cânone, mas estão perdendo popularidade. Só nas universidades se mantém sua popularidade, enquanto o esporte é marginalizado.
Atualmente, há milhões de professores que podem fazer uma análise estética de Marcel Proust (1871-1922, escritor francês), mas só eu me aventuro a fazer isso com o futebol.
Folha - O sr. já desenvolveu algum conceito filosófico sobre o esporte ou o futebol em especial?
Gumbrecht - O futebol é como os filmes de ação ou os videoclipes. Eles não deixam espaço para a interpretação e não transmitem mensagem. Por isso, são infrutíferas as intermináveis discussões sobre o futebol. É difícil explicar isso para as pessoas, pois essas discussões são o principal hobby delas.
A partir dessa idéia, formei meu principal conceito, que é a produção de presença. Ou seja, o futebol é uma sequência de jogadas sem sentido em sua totalidade. O que interessa é a jogada e que elas se repitam muitas vezes durante a partida. Assim como nos filmes de ação o importante é que os efeitos especiais formem uma cadeia.
Folha - Hoje temos jogos transmitidos pela televisão quase todos os dias da semana e em praticamente todos os horários. Isso também levou o sr. a criar essa teoria da produção de presença?
Gumbrecht - Isso é mais um indício da minha teoria. O importante nela é verificar a emergência e a multiplicação da presença.
Folha - Qual é sua base teórica?
Gumbrecht - Cito Kant e também Walter Benjamin (1892-1940, filósofo alemão), porque não vivo no vazio, mas, arrogantemente, digo que as idéias são minhas.
Folha - Falou-se antes da Copa de 1994, nos EUA, que os norte-americanos não aceitariam o futebol porque não admitiam a possibilidade de que o placar do início do jogo (0 a 0) fosse o mesmo do final. O sr. acredita nisso?
Gumbrecht - É errado falar isso, porque no beisebol, muitas vezes, o placar termina em 1 a 0, o que é muito próximo do 0 a 0. O que irrita os americanos é um esporte que tenha poucas pausas.
No futebol americano, basquete e beisebol é essencial os momentos de vazio, o que filosoficamente se chama "o nada". Na prática, é a hora da desconcentração.
Tirando o intervalo entre o primeiro e segundo tempo, o futebol é um esporte de ação contínua que exige concentração permanente. O único esporte por lá que se aproxima dessa característica do futebol é o hóquei sobre gelo.
Folha - Que outra comparação o sr. faria entre o futebol e os esportes populares nos EUA?
Gumbrecht - Nos esportes dos EUA é necessário ficar claro quem ataca e quem defende. No futebol americano, os times trocam a formação quando mudam do ataque para a defesa. No beisebol, é patente que quem ataca é quem tem o bastão. No futebol, a troca de papéis entre ataque e defesa é mais frequente e menos trágica.

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