São Paulo, quarta-feira, 24 de setembro de 1997
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É bom quando as más notícias se espalham

BILL GATES

As más notícias se espalham rapidamente numa organização bem-sucedida.
Uma das qualidades essenciais de um bom gerente é que ele ou ela lida com as más notícias de maneira pontual, não tentando negar os fatos, mas sim procurando saber o que está acontecendo.
Um gerente eficiente quer saber o que está dando errado antes de saber o que está dando certo.
Muitas coisas dão errado em qualquer organização: uma estratégia pode falhar, um concorrente pode se sair muito bem, você pode perder um cliente.
Às vezes, um produto chega atrasado ou não vai produzir os resultados esperados. Às vezes, você não consegue contratar bons funcionários em número suficiente.
Reação
Perder participação no mercado é o tipo de má notícia com a qual todas as empresas já estão familiarizadas.
Talvez a concorrência esteja fazendo alguma coisa muito atraente ou conquistando determinado tipo de consumidor.
Você não vai poder reagir adequadamente se não tomar conhecimento exato e imediato das notícias decepcionantes. É preciso que todo mundo em sua organização esteja voltado para essas notícias.
Pode-se traçar uma comparação entre empresas com base na rapidez com que elas voltam todas as cabeças disponíveis para o estudo e a resolução de problemas sérios.
Quando se recebe uma má notícia, há uma tentação real de dizer : "Oh, não quero saber mais nada sobre isso! Acho que vou para casa. Acho que vou trabalhar em outra coisa".
Decadência
Se um concorrente lança um superproduto ou você perde um cliente, não pode simplesmente deixar esse fato de lado. Ignorar os problemas é a fórmula certeira da decadência.
Quando você perde um cliente, pode sentir a tentação de dizer: "Essa companhia é burra. Ela tomou a decisão errada".
Reuniões em que seus colegas tentam explicar (e menosprezar a importância de) problemas desse tipo podem ser as mais duras, para as pessoas que participam delas.
Mas são preferíveis à reunião que nem chega a ser convocada, porque ninguém lhe disse que algo de negativo estava acontecendo na empresa.
Tenho um instinto natural que me leva a sair à caça das más notícias. Se elas existem, quero saber quais são.
As pessoas que trabalham para mim já se deram conta disso. Às vezes, recebo mensagens de e-mail que começam com: "Consoante com o ditado de que as más notícias devem chegar antes das boas, eis uma para você".
Ceticismo
Encaro as boas notícias com ceticismo. Quando alguém me manda um e-mail informando sobre uma conta que conseguimos, sempre me pergunto: "E as contas todas sobre as quais ninguém me mandou mensagem nenhuma? Será que isso quer dizer que as perdemos todas?"
Infelizmente, as más notícias e as dúvidas nem sempre são compartilhadas entre as pessoas numa organização.
Alguns anos atrás, minha companhia era uma entre várias que estavam fazendo investimentos na televisão interativa, na expectativa de que esse seria um mercado que iria crescer rapidamente.
Mas, depois de algum tempo, quase todas perceberam que os custos seriam mais altos e os benefícios ao consumidor, inferiores ao previsto, e que, portanto, a televisão interativa não iria se concretizar tão rapidamente quanto havíamos previsto, nem da maneira como havíamos imaginado. Mas por que nós e as outras empresas levamos tanto tempo para chegar a essa conclusão?
A resposta é simples. Estávamos cegos para as más notícias. Isso é uma coisa que pode acontecer quando os concorrentes numa indústria prestam atenção demais uns aos outros, e não prestam atenção suficiente ao mercado global -ou à ausência dele.
Um pouco de cegueira é necessária, até certo ponto, quando se vai assumir um risco. É preciso deixar o ceticismo um pouco de lado quando se diz: "Vamos lançar este produto novo, de valor ainda não comprovado. Vamos fazer o melhor possível".
Mas, de quando em quando, alguma parte de sua organização precisa avaliar se existe ou não um mercado real para aquilo que se está empreendendo.
É difícil fazer essa avaliação. Ou por acaso você gostaria de ser a pessoa que convoca uma reunião para dizer que aquele projeto é um beco sem saída?
Fazendo uma retrospectiva, tenho certeza de que muitos dos integrantes de nosso grupo de TV interativa tinham sérias dúvidas em relação ao que estávamos fazendo na época.
Se olharmos para trás, vendo o número de pessoas que optaram por ser transferidas para outros setores da empresa, esse indicativo, entre outros, deixa claro que algumas pessoas já sabiam que estávamos no caminho errado.
Rapidez
Infelizmente, essas dúvidas não foram compartilhadas com as outras -ou não o foram de maneira suficientemente incisiva para chamar minha atenção.
Quando um gerente se dá conta de que uma má notícia é real, ele ou ela precisa transmiti-la rapidamente. O objetivo é transmitir a má notícia .
As pessoas na organização vão se sentir péssimas por causa da notícia, vão se sentir ameaçadas, mas isso não tem problema, desde que se sintam assim enquanto grupo.
O grupo precisa reagir coletivamente. As pessoas que foram afetadas precisam perguntar: "O que aconteceu realmente? Quais são os fatos?" Elas precisam fazer uma análise cuidadosa da situação ocorrida.
Quer as más notícias cheguem sob a forma de uma percepção ou sob a forma de perda de participação no mercado para um concorrente, a resposta apropriada normalmente é modificar o produto ou serviço que você oferece.
Boas notícias
A comunicação e a ação coletivas são essenciais porque as pessoas que estão lá fora no campo, onde podem enxergar as evidências de más notícias, não são as mesmas que irão orquestrar a reação, em termos de produtos. É preciso tempo e informação para assegurar que a reação escolhida seja a correta.
Uma vez alterado o produto ou serviço, você pode espalhar a notícia dele e de como ele vai resolver o problema -como vai ajudar a acabar com a má notícia.
Essa é uma boa notícia, e boas notícias se espalham rapidamente em qualquer organização, sem que ninguém precise se esforçar muito para isso.

Cartas para Bill Gates, datilografadas em inglês, devem ser enviadas à Folha, caderno Informática -al. Barão de Limeira, 425, 4º andar, CEP 01202-900, São Paulo, SP- ou pelo fax (011) 223-1644.
E-mail askbill@microsoft.com

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