São Paulo, quarta-feira, 24 de setembro de 1997
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Especialista sueco condena experimento

Deficientes mentais foram cobaias

OTÁVIO DIAS
DA REPORTAGEM LOCAL

O médico Gõran Hermeren, 59, um dos maiores especialistas em ética médica da Suécia, qualificou como "injustificável" a pesquisa sobre as causas da cárie que utilizou como cobaias portadores de deficiências mentais, realizada no país escandinavo entre 1946 e 51.
"O consentimento esclarecido é um princípio básico da ética em pesquisa", afirmou à Folha o professor Hermeren, que leciona ética médica na Faculdade de Medicina da Universidade de Lund (600 km ao sul de Estocolmo, capital da Suécia).
Durante cerca de quatro anos, 436 doentes mentais internados no hospital de Vipeholm, também situado em Lund, foram alimentados, sem que seus parentes soubessem, com balas contendo elevadas quantidades de açúcar. As consequências em seus dentes foram estudadas cientificamente, o que resultou no lançamento de uma campanha nacional de combate à cárie na Suécia, em 1956. A denúncia foi feita anteontem pelo jornal sueco "Dagens Nyheter".
Segundo Hermeren, a ética exige que participantes de uma experiência sejam "voluntários, com pleno conhecimento das condições e dos resultados da pesquisa". "Como é possível obter esse consentimento de doentes mentais?", pergunta o especialista, que é integrante do Conselho Nacional de Ética Médica da Suécia.
É também a opinião do professor titular de medicina legal e ética médica da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, Marco Segre, 63.
"Os portadores de deficiências mentais integram um grupo extremamente vulnerável, exposto a todos os tipos de abusos. Utilizá-los em experimentos científicos é uma violência inominável", afirmou Segre, que também é membro do Conselho Nacional de Ética em Pesquisa, órgão ligado ao Ministério da Saúde.
Os limites éticos de pesquisas envolvendo seres humanos foram estabelecidos em 64 pela Associação Médica Mundial na Declaração de Helsinque (Finlândia). A última revisão ocorreu em 89.
Segundo Gõran Hermeren, experiências científicas realizadas nos campos de concentração nazistas durante a Segunda Guerra Mundial revelaram a necessidade de definir limites éticos. "Há uma ligação histórica entre os crimes cometidos na Segunda Guerra e o que é considerado ético hoje em dia", diz o professor sueco.
Para Hermeren, a pesquisa com doentes mentais realizada na Suécia deve ser amplamente debatida. "É importante manter a memória viva para que algo parecido nunca volte a acontecer", afirma.

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