São Paulo, sábado, 27 de setembro de 1997
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Aumentar os custos de saída

JAIRO NICOLAU

Não há caso de país democrático que conheça uma taxa tão intensa de troca de partido por parte da elite política como o Brasil. São raros os dirigentes partidários que não tenham trocado pelo menos uma vez de legenda no período pós-1985.
Na Câmara, 166 deputados eleitos em 1990 (33% do total) trocaram de partido entre 1991 e 1994; na atual legislatura, 104 deputados eleitos em 1994 (20,1%) já deixaram seus partidos (o número não inclui as trocas ocorridas de julho para cá).
A troca de legenda é apenas um componente de um sistema representativo em que políticos individuais têm um enorme poder comparativamente aos partidos. O processo de escolha por parte dos eleitores (a lista aberta) e a possibilidade de os parlamentares votarem permanentemente contrários à indicação do líder partidário são outras duas pontas desse tripé de artifícios, que sobredimensiona a força dos parlamentares em detrimento da institucionalização dos partidos no país.
O efeito desses atributos do sistema representativo brasileiro pode ser dimensionado de diversas maneiras. Uma delas é pela distância entre as preferências dos eleitores, expressa em votos no dia das eleições, e o que ocorre depois, ao longo do mandato.
Eleitores vêem impávidos sua preferência por um parlamentar oposicionista transformar-se em voto situacionista no Congresso, partidos majoritários nas urnas transformarem-se em minoritários na Câmara, bancadas esfarelarem-se enquanto outras multiplicam o número de deputados eleitos.
O que fazer diante de um comportamento que favorece os deputados individualmente, mas produz resultados agregados negativos para a organização dos partidos e para o eleitorado? A proposta mais recorrente defende simplesmente a proibição de troca de legenda, punindo os infiéis com a perda do mandato.
A proibição de troca de legenda me parece pouco razoável, por desconsiderar a dinâmica e a imprevisibilidade da política. Dito de outra maneira, a vida política muda, seja por fatores externos aos partidos, seja por atributos internos da dinâmica partidária. Por isso, deve ser facultada aos dissidentes e aos discordantes a possibilidade de tomar outros rumos.
No meu entender, a melhor proposta para inibir a intensa troca de legenda no país é simplesmente ampliar o prazo mínimo de filiação -para dois anos e meio, por exemplo- para que um cidadão possa tornar-se candidato.
Sem proibir as trocas, tal medida aumentaria razoavelmente o custo de saída de um partido, que, na situação atual, é praticamente inexistente. Sabendo que a troca de partido significaria a inelegibilidade por um longo período, provavelmente um político pensaria duas vezes antes de fazer a opção por uma nova legenda.

Jairo Marconi Nicolau, 33, é professor de ciência política no Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro (Iuperj) e autor do livro "Multipartidarismo e Democracia: Um Estudo sobre o Sistema Partidário Brasileiro", FGV Editora, 1996.

Texto Anterior: Traição ao voto
Próximo Texto: Reforma ampla primeiro
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.