São Paulo, domingo, 28 de setembro de 1997
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CARTA PARA ALICE

Para Mrs. Hargreaves (Alice Liddell)
1/3/1885
Minha cara Mrs. Hargreaves,
Imagino que esta carta, depois de tantos anos de silêncio, vá chegar-lhe quase que como uma voz de entre os morros; no entanto, todos esses anos não conseguiram enfraquecer de nenhum modo a lembrança dos dias em que nos correspondíamos. Começo a perceber o quanto a memória enfraquecida de um velho é infiel no que diz respeito aos acontecimentos recentes e aos novos amigos (por exemplo, fiz amizade, somente há algumas semanas, com uma menininha encantadora de cerca de 12 anos, e demos um passeio; e agora não consigo me lembrar nem de seu nome, nem de seu sobrenome!), enquanto em meu espírito é cada vez mais viva a imagem daquela que foi, durante tantos anos, meu ideal de menininha. Depois de você eu tive um punhado de amiguinhas, mas todas foram muito diferentes.
No entanto, não foi para dizer isso que lhe escrevo esta carta. Eis o que lhe quero perguntar: você veria algum inconveniente em se publicar, em fac símile, o caderno manuscrito original (que você ainda possui, suponho) das "Aventuras de Alice"? A idéia dessa publicação só me ocorreu há alguns dias. Se, pesados os prós e os contras, você achar melhor não fazê-lo, isso poria fim ao projeto. Se, ao contrário, você me der uma resposta favorável, eu lhe ficaria muito grato se me emprestasse o caderno (penso que uma remessa postal e registrada seria absolutamente segura) a fim de que eu possa avaliar as possibilidades de realização. Há 20 anos que não vejo esse manuscrito; talvez as ilustrações estejam em tão mal estado que reproduzi-las seria um absurdo.
Não há dúvida de que eu corro o risco de ser acusado de vulgar narcisismo, publicando tal obra. Mas não tenho o menor pudor, seguro de que não existe em mim semelhante fraqueza; simplesmente considerando a enorme publicidade que os livros tiveram (vendemos mais de 120 mil exemplares dos dois volumes), penso que deve haver um grande número de pessoas que gostaria de ver Alice em sua forma original.
Seu amigo de sempre,

C.L. Dodgson.

Carta extraída do livro "Cartas às Suas Amiguinhas", de Lewis Carroll.

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