São Paulo, domingo, 28 de setembro de 1997
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O retrocesso glacial

DEBORA MACKENZIE
DA "NEW SCIENTIST"

Um cientista australiano afirma que um quarto do gelo marítimo próximo à Antártida desapareceu neste século. Os climatologistas acreditavam que a extensão do gelo do oceano Antártico se mantivera em grande medida inalterada.
A nova descoberta pode modificar dramaticamente a compreensão que os cientistas têm da mecânica das alterações climáticas.
Bill de la Mare, da Divisão Antártica Australiana, em Hobart, na Tasmânia, mapeou o recuo do gelo usando dados de uma fonte importante, mas que nunca antes havia sido utilizada para esse fim: os registros de baleeiros.
A análise, publicada na revista "Nature" no início do mês, revela que o campo de gelo encolheu drasticamente durante um período de aproximadamente 15 anos, que teve início no final da década de 50.
Avanço para o sul
Entre 1931 e 1957, as frotas baleeiras norueguesas e britânicas caçaram baleias azuis, rorquais e jubartes perto da margem do campo de gelo. Quando essas espécies começaram a se esgotar, passaram a caçar baleias sei mais ao norte, até estas também se esgotarem, retornando à margem do campo de gelo, em 1972, para caçar baleias minke.
Os diários de bordo dos baleeiros mostram que, a cada ano, a frota se deslocava lentamente para o sul no verão, quando o gelo derretia, recuando para o norte quando ele voltava a congelar, no inverno. Assim, entre 1931 e 1957 e entre 1972 e 1987, diz de la Mare, os registros das baleias capturadas nas áreas mais ao sul mostram onde se encontrava a margem do campo de gelo, em qualquer momento dado.
Depois disso, de la Mare utilizou 4.424 dos registros dos totais caçados mais ao sul para mapear o campo de gelo em torno da Antártida durante os verões sucessivos. Constatou que entre 1931 e 1954 o campo de gelo recuou no verão até aproximadamente o mesmo lugar, com latitude média de 61°5' sul. Mas, depois que a frota de baleeiros abandonou a região, em 1957, a borda do campo de gelo recuou para o sul. Quando a frota retornou, em 1972, a borda do campo de gelo no verão havia se deslocado 2°8', para uma latitude média de 64°3'. "A alteração ocorreu durante a ausência da frota de baleeiros", diz de la Mare.
Clima do Planeta
Essa alteração corresponde a uma redução de 5,65 milhões de quilômetros quadrados, que correspondem a 25% da área do campo de gelo. Uma perda dessas dimensões exerceria um impacto dramático sobre o clima mundial, já que o gelo marítimo retarda o fluxo de calor do oceano para a atmosfera.
À medida que o gelo derrete, ele também gera grandes extensões de água menos salina. Elas vão para as profundezas do oceano, removendo dióxido de carbono da atmosfera e influindo sobre as correntes oceânicas -que, por sua vez, exercem influência sobre o clima em todo o planeta.
Não está claro o que pode haver causado a perda repentina de gelo. Segundo Roger Newson, diretor de modelos climáticos do Programa Mundial de Pesquisas Climáticas, "é estranho que o gelo tenha derretido naquela época, quando havia tão pouco aquecimento atmosférico. Mas não sabemos que alterações podem haver ocorrido na circulação oceânica".

Tradução de Clara Allain

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