São Paulo, domingo, 28 de setembro de 1997
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Por uma ética do futuro

JÉRÔME BINDÉ

Cinco anos após a Cúpula da Terra realizada no Rio, seu programa de ação, a "Agenda 21", ainda é, em essência, letra morta. Em Denver, em Nova York e em Bonn, fracassaram as negociações sobre a redução das emissões de gases causadores do efeito estufa. A "Rio + 5" virou "Rio - 5".
Essa inércia internacional trai a miopia temporal da época. "Embarcamos na aventura do futuro sem freios e sem visibilidade" -observa Federico Mayor, diretor-geral da Unesco- "e, no entanto, quanto mais rápido anda um carro, mais longe seus faróis devem iluminar o caminho".
Lançar um olhar para o futuro é dotar-se dos meios necessários para cumprir uma missão ética decisiva para as gerações vindouras. Pois, se nós agirmos por tempo limitado, nossos filhos não terão tempo de agir: correm o risco de ser vítimas de processos que terão se tornado incontroláveis -crescimento demográfico, degradação do meio ambiente, desigualdades crescentes entre norte e sul e no interior das sociedades, apartheid social e urbano, escalada da intolerância, erosão da democracia.
Mas as sociedades humanas sofrem de um divórcio crescente entre uma projeção no futuro cada vez mais necessária e projetos cada vez mais ausentes. Elas sofrem, sobretudo, o desregramento de sua relação com o tempo. A globalização e o crescimento das novas tecnologias impõem a tirania do "tempo real" e o horizonte insuperável do curto prazo. A "crise do sentido" resulta desse paradoxo: o tempo é abolido pelo instante.
A lógica da urgência deixa de ser um dispositivo transitório e se torna permanente, fazendo com que se invista a fundo perdido no fracasso. No entanto, o desenvolvimento no século 21 vai exigir visão e investimentos de longo prazo em favor da saúde, da educação, da ciência, das infra-estruturas.
Reabilitar o longo prazo supõe que atores e instâncias decisórias parem de "adaptar-se" para antecipar-se e tomar a dianteira. Isso porque, frequentemente, o tempo entre o enunciado de uma idéia e sua concretização é longo.
Portanto, fortalecer as capacidades de antecipação e de perspectiva é prioridade para os governos, as organizações internacionais, as instituições científicas, os atores da sociedade e o setor privado. A Unesco procedeu a essa reforma nos últimos anos, criando a Unidade de Análise e Previsão.
Reabilitar o longo prazo também supõe que sejam deitados os fundamentos de uma ética do futuro, que, além do contrato social entre contemporâneos, amplie a comunidade ética para abranger os cidadãos futuros.
A Unesco inaugurou essa reflexão num encontro que, seguindo a iniciativa de Candido Mendes, presidente do "senior board" do Conselho Internacional de Ciências Sociais, reuniu 30 cientistas de alto nível no Rio em julho.
Mas a construção de uma ética do século 21 também exige a "reforma do passado" evocada por Edgar Morin. A responsabilidade, que até agora dizia respeito aos atos passados, deve se voltar para o futuro distante, para preservar o que é essencialmente frágil e perecível: a vida, o planeta ou a cidade.
O próprio patrimônio -em cuja transmissão, segundo Mayor, consiste a ética do porvir- se torna futuro. Devemos nos guiar pelo princípio da precaução: toda perspectiva é, de fato, gestão das consequências de nossos atos, mas também gerenciamento do imprevisível, da incerteza, do risco.
"O domínio próprio do homem político" é "o futuro e a responsabilidade diante do futuro", dizia Max Weber. Assim, observa Paul Ricoeur, "é preciso impedir que o horizonte de espera fuja e aproximá-lo do presente, por um escalonamento de projetos intermediários ao alcance de nossa ação".
Portanto, será que há motivo para opor a solidariedade para com as gerações presentes àquela para com as futuras? A indiferença aos excluídos de hoje é um lado da moeda; o esquecimento das gerações futuras, o reverso.
A ética do futuro não se remete a um porvir a perder de vista. É uma ética do tempo que reabilita o futuro, mas também o presente e o passado. É uma ética para o amanhã da qual devemos dar provas aqui e agora. Como escreveu o poeta Otto René Castillo: "É bonito amar o mundo com os olhos da geração que está por nascer".

Tradução de Clara Allain

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