São Paulo, segunda-feira, 29 de setembro de 1997
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Lula defende aliança com Antonio Ermírio

ELIANE CANTANHÊDE; RAYMUNDO COSTA
DO PAINEL, EM BRASÍLIA

Mais magro, queimado de sol e pronto para entrar em campanha, "como candidato ou como cabo eleitoral", Luiz Inácio Lula da Silva (PT) defende uma ampla aliança e uma candidatura única de oposições contra a "política neoliberal" do presidente Fernando Henrique Cardoso.
Inclui nessa frente até o maior empresário do país, Antonio Ermírio de Moraes, do grupo Votorantim, que tem condenado a política econômica e a falta de investimentos na área social.
"O Antonio Ermírio pode fazer parte da nossa frente, pode subir no nosso palanque", disse Lula em entrevista à Folha, antecipando que vai telefonar ao empresário formalizando o convite.
Apesar de garantir que seu nome não será obstáculo a um amplo acordo da oposição, ele faz restrições ao ex-ministro da Fazenda Ciro Gomes, que acaba de entrar no PPS, e ironiza o ex-presidente Itamar Franco, que se filiou ao PMDB. Age e fala como candidato.
Diz que vai mudar de casa e que a partir de outubro pega a estrada e vai a todos os Estados, a começar por Minas Gerais e Rio Grande do Sul, visitando universidades, sindicatos, associações comerciais e quem estiver contra o governo.
"Eu nasci para educar a sociedade brasileira contra determinados preconceitos", declarou, num súbito tom messiânico.
Leia, a seguir, os principais trechos da entrevista:
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Folha - O sr. acredita numa candidatura única de centro-esquerda?
Luiz Inácio Lula da Silva - Nós temos condições de trabalhar uma candidatura única que possa envolver os partidos de esquerda e pessoas de centro-esquerda. É possível, mas não é fácil. O importante é que há vontade política. Cada partido que ponha um nome na mesa. Depois, vamos escolher os critérios para escolher o nome final. O meu não é nenhum empecilho, nenhum embaraço.
Folha - Mas até agora é, formalmente, o único.
Lula - É o único porque o PT é o maior partido de esquerda do Brasil, o que tem maior cacife eleitoral. É o único porque eu sou o primeiro colocado, de toda a oposição, nas pesquisas de opinião pública. E também porque o diretório começa a exigir uma definição do partido.
Folha - Isso quer dizer que o PT não abre mão do cabeça de chapa?
Lula - Não, não quer dizer isso. Nós resolvemos indicar um nome como referência, mas esse nome estará subordinado à vontade política dos partidos que irão compor essa frente. Da mesma forma que entrou, pode sair. Tenho ouvido vários nomes.
Folha - E o que o sr. acha desses nomes?
Lula - Eu não tenho condição de julgar nomes. Nem os de pessoas que têm 1%, nem os de pessoas que têm 3%, nem o de pessoas que não aparecem nas pesquisas. O que nós precisamos é arrumar uma pessoa que possa representar um programa antagônico ao programa neoliberal.
Folha - O Ciro Gomes é o novo Collor?
Folha - Eu não quero saber se, quando o Ciro era criancinha, fazia isso ou aquilo. Mas ele precisa melhorar o discurso dele. Por enquanto, é o discurso de que é preciso continuar as reformas, vender as estatais para pagar a dívida pública e criar o imposto sobre consumo. Nós do PT não concordamos com nada disso. Nós estamos trabalhando um programa mínimo, entre PT, PSB, PC do B e PDT.
Folha - Quais são as linhas desse programa?
Lula - Primeiro: nós queremos uma política industrial que gere empregos neste país. Segundo: o câmbio não pode ficar sobrevalorizado como está. Terceiro: nós queremos uma política de juros compatível com as necessidades do empresário brasileiro e com o mercado internacional.
Folha - E os efeitos na estabilidade econômica?
Lula - Nenhum, se tiver um modelo de desenvolvimento a partir do aumento de poupança. Você pode captar recursos de fora, incentivar a aplicação dos recursos existentes aqui dentro, aumentar a capacidade arrecadadora do Estado.
Folha - Esse discurso sensibiliza o pequeno empresário. É pretensão da frente se tornar uma alternativa para esse segmento?
Lula - Eu vou mais longe ainda. A frente deve ter a preocupação de juntar todos quantos sejam contra a política neoliberal. Se você pegar a entrevista do Antonio Ermírio de Moraes à Folha e às páginas amarelas da revista "Veja", ele pode fazer parte, subir no nosso palanque.
Folha - O sr. convidou Antonio Ermírio?
Lula - Vou telefonar para ele. Com aquele discurso, ele pode subir em nosso palanque.
Folha - O PC do B, por exemplo, concordaria com isso?
Lula - Eu não sei. Mas, a campanha das diretas, nós só conseguimos fazer porque colocamos um palanque muito heterogêneo.
Folha - É possível reeditar um palanque como foi o das diretas-já contra FHC?
Folha - É difícil, porque tem muita gente das diretas que está do lado do Fernando Henrique Cardoso, mas é possível.
Folha - O que é que o sr. chama de política neoliberal?
Lula - É uma política que não torna a indústria brasileira competitiva, que não leva em conta o fortalecimento da agricultura brasileira, que não leva em conta o entendimento do Brasil enquanto nação. Na verdade, o projeto neoliberal subordina o Brasil a uma dependência do dinheiro externo. Há um probleminha na Tailândia e já começa a haver ameaça de crise no Brasil.
Folha - Esse discurso é de candidato?
Lula - Se eu quisesse ser candidato, já seria. Eu sou tido no PT como candidato natural. Eu é que estou fazendo questão de abrir a nossa cabeça, a começar pela minha, e dizer: "Gente, nós precisamos juntar tudo o que nós temos para poder ganhar as eleições". Porque Fernando Henrique Cardoso tem um bloco de sustentação muito forte, que tem PMDB, PFL, PSDB, PPB, PTB e PL. Tirou o Maluf da jogada da disputa presidencial, está tirando Itamar Franco e certamente vai tirar o PMDB.
Folha - O sr. dá isso como certo?
Lula - Não acredito que o PMDB tenha candidato. Até porque não adianta o PMDB ter candidato, e depois o povo do PMDB não votar no candidato dele. Já aconteceu com Ulysses Guimarães, já aconteceu com o Quércia.
Folha - Parte desse povo pode ir para a frente?
Lula - Não. Por que eles fariam isso? Esse bloco do FHC representa 80% de todo o parlamento brasileiro, municipal, estadual e federal. Representa 80% das prefeituras e dos governos estaduais. Representa 99% dos meios de comunicação e 99% do capital nacional e internacional dentro do Brasil.
Folha - O sr. está jogando a toalha?
Lula - Eu? Eu não. Esse bloco já concorreu contra mim em 89, e nós quase ganhamos. Já concorreu contra mim em 94, e o Fernando Henrique sabe que, se não fosse o Plano Real, ele não teria vencido as eleições. Eu estou convencido de que nós podemos ganhar em 98 do Fernando Henrique Cardoso. Em vez de lançarmos várias candidaturas no bloco da esquerda, deveríamos fazer um apelo para os excluídos, os desempregados, o pequeno e médio empresário, aqueles que quebraram, aqueles que estão insatisfeitos.
Folha - E a tese de que só o lançamento de dois candidatos, um mais à esquerda, outro de centro, poderiam provocar o segundo turno?
Folha - O cenário perfeito seria o Maluf ser candidato à Presidência da República. Mas o Fernando Henrique quebrou o Maluf com a CPI dos Precatórios. FHC não vetou essa CPI, como vetou a do Proer e a do Sivam, porque interessava a ele quebrar a espinha dorsal do Maluf.
Folha - Se defende uma frente tão ampla, por que o sr. descarta o PPS?
Lula - Eu não estou descartando. Quem está se descartando é o Roberto Freire (senador de Pernambuco). Porque, quando o Roberto Freire propõe criar um novo partido político, eu digo que o partido que ele quer criar já existe, é o PSDB. É só ter coragem e entrar.
Folha - Tem gente que desconfia que o governador Miguel Arraes está fazendo o jogo de FHC. O que o sr. acha?
Lula - ...
Folha - Demorou mais de 30 segundos para responder...
Lula - Não vejo motivo para isso. Até os mais próximos do dr. Arraes demoram a entender todo o jogo que ele quer fazer. É um companheiro que está tentando construir o PSB e está medindo se o partido tem ou não força para bancar uma candidatura própria. A gente não tem que ter essa fobia, essa loucura, de ter um candidato amanhã.
Folha - Quando deve ser?
Lula - Nós temos de ver primeiro o jogo que os adversários fazem.
Folha - Se o programa do governo é tão ruim, como o sr. explica que FHC esteja tão à frente nas pesquisas?
Folha - Num processo de aparecimento na mídia, numa escala de um a dez, o Fernando Henrique Cardoso tem 9,9, e nós temos zero.
Folha - Zero? E o que é que nós estamos fazendo aqui?
Folha - Ele convoca entrevista coletiva, aparece na televisão na hora que quer. Quando a coisa é ruim, nem fala. Manda o porta-voz falar. Ele tem a propaganda do "Brasil em Ação" toda hora. Além da propaganda do PFL, do PSDB e do PMDB ajudando ele. É uma diferença. Eu acho que o que vocês deveriam estar estranhando é o fato de ele só ter 36%. E o tempo conta contra ele. A lei aprovada na Câmara diz que pode aparecer povo na campanha de televisão. Pode fazer coisa fora dos estúdios. O Fernando Henrique Cardoso disse numa reunião de deputados que não queria isso, para não aparecer favelado falando mal dele, desempregado falando mal dele.
Folha - Que reunião foi essa?
Lula - Não vou dizer, para não ser dedo-duro. Um deputado me ligou para dizer.
Folha - Tem muita gente do PT dizendo que o partido não ganha a eleição, mas que o importante é ganhar no discurso.
Lula - Eu acho que a gente pode ganhar. Estou sentindo o clima das ruas. O desemprego na região metropolitana de Salvador, onde estive agora, é de 22%. FHC continua enganando a si próprio, acreditando nesses números oficiais de desemprego no Brasil.
Folha - Por que o sr. não se encontrou com FHC até agora?
Lula - O presidente da República está dizendo inverdades para a opinião pública. Ele nunca me procurou.
Folha - Nunca? Nem mandou recados por interlocutores?
Lula - Nunca. Eu é que subentendi o recado. E achei estranho, porque o presidente da República, se quiser conversar com um dirigente político, manda a assessoria ligar para a pessoa. Não fica procurando terceiros. Parece coisa de menino. Ele sabe que, embora não tenha diploma universitário, sou educado o suficiente para não desrespeitar um pedido de conversa com o presidente da República.
Folha - Se ele pedir essa conversa hoje, o sr. vai?
Lula - Se ele quiser conversar, a gente estabelece uma pauta. Vamos falar sobre o que? Sobre reforma da Previdência Social, privatizações, política de empregos? Eu adoraria conversar. A única coisa que eu não quero é conversar só para posar para foto. Para mostrar que ele é democrático, conversa com todo mundo.
Folha - A principal crítica que se faz ao PT, inclusive internamente, é que virou o partido do corporativismo.
Lula - Se nós defendêssemos tanto o corporativismo, como algumas pessoas falam, o servidor público não estaria há mil dias sem receber aumento de salário. O corporativismo mais forte e mais arraigado desse país é o dos empresários que, na calada da noite, fazem os acordos. Os trabalhadores fazem passeata. Os empresários que pegaram dinheiro no BNDES, que foram beneficiados com isenção do Imposto de Renda, esses não fazem passeata. Esse é o corporativismo. A diferença é que os nossos brigam, brigam e não conquistam nada, e os outros não brigam e conquistam tudo.
Folha - O corporativismo do PT inviabilizou a administração do Vitor Buaiz no Espírito Santo?
Lula - Não é verdade. O que inviabilizou o governo do Vitor Buaiz foram os governos anteriores, o FEF e a Lei Kandir. O Cristovam (Buarque, do DF) não saiu. Não é o Espírito Santo que está falido. São todos os Estados que estão falidos.
Folha - Mas não ficou a idéia de que o PT só sabe ser oposição, não sabe ser governo?
Lula - A idéia fica. A coisa é assim mesmo. Esse coitado que você está vendo ali estirado (mostra um cartaz de Antônio Conselheiro) passou cem anos sendo considerado bandido, louco. Agora é que começam a recuperar a história dele.
Folha - Depois do caso Cpem, quando mais uma vez foi dito que o sr. mora numa casa emprestada pelo empresário Roberto Teixeira, o sr. considerou a hipótese de profissionalizar suas atividades? Por exemplo: cobrar por palestras, como faz o Ciro Gomes?
Lula - Eu nasci para reeducar a sociedade brasileira contra determinados preconceitos. Nasci para isso. Se eu estivesse incomodado com a casa em que eu moro, já teria saído. E vou acabar mudando, porque comprei apartamento há dois anos para morar, não para enfeitar. No caso Cpem, vai acontecer como quando a Folha disse que eu tinha levado dinheiro da CUT na campanha de 94. Já ganhei nas duas instâncias. Vou ganhar na terceira.
Folha - O sr. não está sendo meio messiânico?
Lula - Toda a minha vida foi isso. As pessoas se incomodam se eu vou a um restaurante, querem saber onde eu moro, quanto eu ganho, como é que eu me visto. Essa coisa nós só vamos vencer quebrando barreiras.
Folha - Como o sr. vê a hipótese de perder pela terceira vez a Presidência?
Lula - Eu não tenho nenhum problema de ter uma terceira, uma quarta ou uma quinta derrota. Você pode perder uma eleição e ganhar politicamente. Eu fui derrotado em 1982 para o governo de São Paulo. Mas, se não fosse aquela campanha maluca, nós não teríamos criado o PT. Obviamente, quem tem a máquina do governo nas mãos tem grandes possibilidades. Mas dizer que já ganhou? Tem muito jogo, e esse jogo eu quero jogar. Como candidato ou como cabo eleitoral.
Folha - O PT não está muito preocupado com a eleição majoritária e esquecendo a chance de fazer uma grande bancada no Congresso?
Lula - Em 94, eu tive o dobro de votos da legenda. E não é legal. É preciso que a legenda chegue perto da candidatura majoritária. O que está incomodando não é o FHC ter 36%. É as pessoas que pensavam que eu tinha acabado descobrirem que tenho 22%. Agora, eu é que vou fazer uma provocação com vocês: a entrevista está acabando e vocês nem perguntaram pelo Itamar Franco. Não sou eu, são vocês da imprensa que não acreditam na candidatura dele.

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