São Paulo, segunda-feira, 29 de setembro de 1997
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Seguros: lá está como aqui

ANTONIO PENTEADO MENDONÇA

No último artigo nesta Folha, eu fiz um breve desenho da atividade seguradora brasileira e de suas tendências nos próximos dois anos. Nele, eu busquei demonstrar que a concentração do mercado num número menor de companhias seguradoras, as fusões e incorporações, a readequação dos corretores de seguros, a consolidação de canais alternativos de vendas e o crescimento acentuado dos seguros de pessoas são certezas que compõem um processo irreversível, no qual o grande beneficiário é o segurado, que terá produtos desenhados para as suas necessidades por preços baixos.
Muito embora esse cenário pareça simples, ele envolve mudanças estruturais complexas, que ainda não estão absolutamente delineadas e que, por isso, podem levar a avaliações erradas, capazes de comprometer o futuro de várias empresas.
Na tentativa de auxiliar a interpretação de fenômenos que para nós são razoavelmente novos e que começaram com o processo de abertura da economia brasileira, eu quero comentar o que vi na Europa e que faz com que as nossas dúvidas e perplexidades não sejam tão diferentes das deles, variando apenas a ordem de grandeza econômica envolvida.
Quem sabe a única grande diferença esteja na quase estagnação da atividade seguradora européia contra a nossa onda de crescimento.
No resto, tanto os países europeus como o Brasil passam mais ou menos pelos mesmos momentos de alteração profunda de uma ordem cristalizada pelo tempo e responsável por mercados com um bom grau de estabilidade, com os seus integrantes bem definidos.
Eu estive em Portugal, na França e na Alemanha, o que dentro do concerto das nações que compõem o "espaço econômico europeu" poderia ser considerado insuficiente para dar uma noção clara da realidade. Acontece que esses três países passam, isoladamente, pelas mesmas situações que afetam o Brasil como um todo e de uma única vez.
Portugal é a bola da vez. É para lá que estão sendo canalizados bilhões de dólares a fundo perdido da Comunidade Econômica Européia. A grande consequência desse processo é a chegada das companhias multinacionais, dispostas a ocupar o seu lugar no mercado e a aproveitar a onda de progresso que sacode o país.
A França ainda está passando por um violento processo de privatizações. E a Alemanha, em função dos acordos de abertura de fronteiras entre os países europeus, teve que fazer grandes concessões em sua legislação empresarial, que tinha características únicas dentro da Europa.
Nos três países, a atividade seguradora foi seriamente afetada por essas transformações, e o que se vê são cenários parecidos com os enfrentados pelos profissionais de seguros brasileiros.
Sem hierarquizar cada uma das situações, mas começando por Portugal apenas porque foi o primeiro a ser visitado, nós temos a chegada das companhias estrangeiras, habituadas a atuar em mercados muito mais sofisticados e com um poder de fogo incomensuravelmente maior do que as seguradoras portuguesas.
Na França, a privatização das duas maiores seguradoras do país gerou um cenário no qual uma delas foi rapidamente encampada por um grupo empresarial menor e a outra ficou sem um acionista controlador.
Muito embora em princípio não ter um acionista majoritário possa ser bom, dentro do processo de globalização por que o mundo passa, esse controle permite a tomada de decisões rápidas e isso pode significar a sobrevivência da empresa em um planeta onde decisões estratégicas, englobando inclusive a associação com outras congêneres, tornam-se cada vez mais comuns.
Na Alemanha, o quadro é outro e envolve a necessidade de crescimento acelerado, não apenas das seguradoras, mas também dos bancos. Lá o futuro dessas empresas está diretamente ligado ao seu desenvolvimento e ao acesso ao grande público, por meio de uma cesta de produtos abrangentes e baratos.
É aí que a competição entre a Allianz, ex-primeira seguradora do mundo ocidental, desbancada pela associação Axa-Uap, e o Deutsche Bank, maior banco do país, assume proporções impressionantes, especialmente pelos bilhões de dólares envolvidos e pela obrigação de um entrar no negócio do outro, para poder manter sua posição e não perder escala ou eficiência.
Esses cenários, que no Brasil ocorrem ao mesmo tempo, geraram uma profunda modificação nos canais de distribuição de seguros. Os corretores e agentes tornaram-se insuficientes para colocar as apólices nas quantidades e velocidades requeridas e as agências bancárias, os Correios e outros canais de venda massificada aumentaram rapidamente a sua participação na atividade.
Isso obriga as seguradoras com a comercialização de suas apólices centrada em corretores e agentes a rever suas estratégias, sob o risco de rapidamente perderem mercado, entrando num processo de decadência capaz de em cinco anos (estimativa de uma seguradora européia) colocar em xeque a existência de empresas atualmente entre as dez maiores da Europa.
Foi com base nessas mudanças que, no artigo passado, analisando a realidade brasileira, eu enfatizei a obrigação de os corretores se reposicionarem e o risco de as seguradoras de porte médio desaparecerem se não acharem nichos específicos ou se associarem.

E-mail: pentmend@dialdata.com.br

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