São Paulo, segunda-feira, 29 de setembro de 1997
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Santa hipocrisia

JOSIAS DE SOUZA

São Paulo - Uma das características da Igreja Católica, como todos sabem, é a aversão a mudanças. Isso vem desde sempre, atravessa a história.
No começo do século 16, a igreja preferiu emagrecer, expelindo fiéis, a atualizar-se. Surgiram numerosas igrejas cristãs dissidentes.
Ouça-se, a propósito do tema, o que dizia Ruy Barbosa em livro de 1930 ("O Papa e o Concílio"): " (...) participamos das idéias dos que têm por tão necessária quanto inevitável uma reforma geral e decisiva da igreja, imediata ou espaçada".
Pois no Brasil, sempre tão novidadeiro, o bloqueio da igreja está ruindo. O catolicismo experimenta entre nós uma profunda reforma. É o que demonstrou pesquisa publicada pela Folha na última quinta-feira.
Ouviram-se apenas católicos. Praticantes, como se costuma dizer. Os pesquisadores do Datafolha foram à porta das igrejas do Rio e de São Paulo.
Descobriram que, em perfeita paz e excelsa glória, os católicos brasileiros praticam a religião bem à sua maneira. Colocam a consciência acima das determinações do Vaticano.
Nosso católico seleciona os dogmas que deseja seguir e fecha os olhos para pontos cruciais da doutrina da igreja.
Assim, há fiéis que põem em dúvida da existência de inferno (48% dos ouvidos) à virgindade de Maria (6%). Há também católicos que admitem do uso de camisinha (90%) ao casamento informal, longe do altar (64%). Expressivos 55% acham, aliás, que a mulher não precisa casar virgem.
A reforma da igreja no Brasil é, por assim dizer, invisível. Ela se processa num lugar em que o olho do papa não chega: o interior da alma dos católicos.
Vive-se no momento uma santa farsa: a igreja finge que controla o rebanho e as ovelhas fingem que são controladas. O dogma cede espaço à hipocrisia. E todos vivem felizes. É o milagre da convivência.

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