São Paulo, segunda-feira, 29 de setembro de 1997
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Excursão é desafio contra a correnteza

Safári cobre 200 km do rio Zambeze

MARGI MOSS
ESPECIAL PARA A FOLHA

"Se a canoa virar, suba imediatamente para ficar fora do alcance dos crocodilos." Bebendo chope na varanda do hotel em Kariba, na beira do lago, os avisos do guia Lloyd Shambira soam exagerados.
No dia seguinte, o grupo embarca num jipe e sai arrastando um reboque carregado com as cinco canoas da Shearwater Adventures.
Três horas depois, chegamos a Chirundu, na beira do rio Zambeze, onde colocamos na água as canoas azuis e carregamos alimentos, sacos de dormir, barracas e uma mala de primeiros socorros.
Alegres, partimos de Chirundu debaixo de um sol escaldante. Destino: Kanyemba, 200 quilômetros rio abaixo. No caminho, nenhuma cidade nem aldeia, só parques: o Nacional do Zambeze, na Zâmbia, e o Mana Pools, em Zimbábue.
O Zambeze, quarto maior rio da África, nasce no noroeste da Zâmbia e segue um caminho tortuoso de 2.700 quilômetros até desembocar no Índico, em Moçambique.
Percebendo o clima animado do grupo, Shambira deu outro alerta. "É proibido nadar no rio. Não estou brincando. Crocodilo é bicho perigoso. E mais uma coisa: não deixem braços ou pernas pendurados na água. São uma tentação."
Mais tarde, vemos nas ribanceiras, aparentemente num sono profundo, os corpos gigantes desses répteis, únicos parentes dos dinossauros que sobreviveram.
Com a aproximação das canoas, deslizam para dentro d'água, esperando um bom jantar. Os adultos alcançam até quatro metros de comprimento. Matam sua presa por afogamento, podendo ficar submersos por até duas horas.
"Outro obstáculo que temos pela frente são os hipopótamos. São animais territoriais. Portanto é bom lembrar que ele não ataca, simplesmente defende. Temos de evitar cruzar os territórios das famílias de hipopótamos, porque aí o macho vem derrubar a canoa."
A viagem
A canoa de Shambira, zimbabuano da tribo shona, deve ficar na frente, e as outras, atrás, bem-comportadas, para ouvir seus avisos: "Pedras submersas à esquerda!" Como ninguém presta atenção, ele levanta os olhos para o céu e pergunta: "Por que eu, com esse bando de brasileiros?"
"Hipos à direita", grita Shambira. À medida que as choupanas de barro com teto de palha ficam para trás, a frequência dos encontros com os hipopótamos cresce.
A qualquer manobra considerada ameaçadora pelo macho dominante, ele não hesitará em partir para cima de uma canoa. Com uma mordida, é capaz de quebrá-la ao meio, assim jogando um petisco aos colegas crocodilos.
Quem pensa que é coisa fácil deslizar 200 quilômetros rio abaixo no "mighty Zambezi" está enganado. Às vezes, o vento é tão forte que, depois de remar por duas horas, estamos exaustos.
Diariamente, acordamos às 5h30, desmontamos o acampamento e tomamos um rápido chá com biscoitos. Em seguida, remamos umas duas horas até ganhar o café da manhã. O almoço dá direito a uma sesta bem-vinda.
Caímos exaustos na sombra de uma árvore e dormimos! Um dia, paramos na sombra de uma acácia, árvore cuja semente é o prato predileto dos elefantes. E um elefante não demora a aparecer.
Já de longe, impressiona pelo tamanho e pelo poder. Imagine, então, você a pé, sem ter para onde correr, e ele mastigando sementes a uns dez metros de distância.
À tarde, acontece a remada mais prazerosa. Com pouco vento e o Sol baixo, dando uma luminosidade deslumbrante à paisagem africana, com a bicharada chegando à beira do rio para beber, parece que seguimos um rio do Éden.
Repouso
Ao anoitecer, Shambira indica o lugar para acampar: às vezes, um banco de areia na margem, às vezes, uma ilha no meio do rio.
Dispensamos o uso das barracas, preferindo dormir à luz das estrelas, protegidos pelos mosquiteiros armados sobre o remo. Assim conseguimos ouvir melhor os sons da noite africana -os rugidos dos leões, os gemidos das hienas. Aos poucos, os hipopótamos, vegetarianos, saem da água para pastar.
A regra de ouro: não passe entre um hipopótamo e o rio. Se você assustar o animal, ele vai passar por cima de você para chegar às pressas de volta à água.
A força do rio
No quarto dia, entrosados no ritmo das remadas, resolvemos preparar os sanduíches do almoço na hora do café da manhã.
E lá vamos nós. Então, aparecem umas corredeirinhas. Em torno delas, a força do "mighty Zambezi". Numa manobra, a canoa de Gérard e do amigo Bernie é jogada contra um tronco de árvore e vira.
Os dois somem no casco da canoa emborcada. Passa uma eternidade até que, de repente, aparece um braço, outro braço e, no final, duas cabecinhas ainda de chapéu.
Lutam contra a árvore, a canoa e a correnteza. Enfim, conseguem liberar a canoa da árvore, para, logo em seguida, ser levados pela correnteza agarrados a ela. Também para água abaixo, vão os conselhos do Shambira: "Subam na canoa e esperem ajuda".
Gérard e Bernie continuam dentro d'água, lutando para acertar a canoa que revira cheia d'água. Enquanto isso, a correnteza vai levando-os rio abaixo.
Depois, ainda dentro d'água, começam a tentar esvaziá-la. Com a ajuda de cordas atadas a duas outras canoas e muito esforço nos remos, conseguimos arrastar a canoa cheia d'água até a margem.
Para alívio de Shambira, daí em diante, o grupo fica bem-comportado. O Zambeze vai se estreitando e ficando mais profundo.
Estamos nos aproximando dos 22 quilômetros da garganta de Mupata. Em cada lado surgem paredões de pedra. É uma paisagem surpreendente, onde crescem muitas árvores baobás, que podem ter até 4.000 anos de idade.
Saindo da garganta, falta um dia para chegar a Kanyemba, na fronteira com Moçambique. Depois de oito dias longe da "civilização", num calor chocante e sem bebida gelada, sonhamos com um bar.
Subimos a ribanceira e demos com umas casas cujas janelas quebradas batem no ritmo da brisa. É uma cidade fantasma, abandonada. Só de volta a Kariba é que pudemos matar a sede de verdade.

Informações: Shearwater Adventures, Harare, Zimbábue, fax local: (263-4) 75-7836. No Brasil, a Queensberry tem pacotes ao Zimbábue: (011) 255-0211

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