São Paulo, terça-feira, 30 de setembro de 1997
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Os ciclos de capital farto

CELSO PINTO

O fluxo de dinheiro para os países emergentes chegou ao recorde de US$ 235 bilhões no ano passado. A impressão que se tem é que o mundo jamais viveu uma fase tão intensa de globalização dos mercados financeiros. Para o bem, como uma oportunidade de acesso à poupança externa para países emergentes, e para o mal, pela maior vulnerabilidade a crises provocadas por capitais instáveis.
No entanto, a extraordinária expansão dos investimentos e aplicações financeiras em países emergentes ocorrida nos anos 90 pode ser vista apenas como mais um entre vários ciclos históricos parecidos. O fluxo mundial de capitais já foi maior do que é hoje, em termos relativos, durante o período do padrão-ouro, de 1870 a 1930.
Até as instabilidades geradas por ataques especulativos contra moedas não são uma invenção da globalização. Durante o período do padrão-ouro, crises econômicas e políticas levaram a ataques especulativos contra reservas de ouro de alguns países. O que estes ataques tiveram em comum com episódios recentes como a crise do México em 94 e da Ásia neste ano é a prática de regimes de câmbio fixo num ambiente de alta mobilidade de capital.
O que estes ciclos têm em comum? O principal traço comum é que a períodos de expansão, seguem-se períodos de retração, normalmente penosos para os países importadores de capital, argumenta um estudo ("Mercados Internacionais de Capitais") divulgado semana passada pelo FMI.
O mais intenso período de mobilização internacional de capitais foi o do padrão-ouro entre 1870 até a Primeira Guerra Mundial em 1914. Medindo os fluxos internacionais pelo tamanho dos déficits em conta corrente, a média do período foi de 3,3% do PIB, enquanto nos anos 90 a média está em 2,6%. Os fluxos privados de capitais, em termos relativos, eram pelo menos tão expressivos quanto são hoje.
O capital externo financiou um terço do investimento da Nova Zelândia e Canadá e um quarto da Austrália e da Suécia. Nos anos 90, essa participação tem ficado em média em 10%. O Reino Unido era o grande exportador de capitais durante esse ciclo. Os investidores eram estimulados, tanto quanto hoje, pela perspectiva de maiores retornos em países emergentes. Quando o Banco da Inglaterra elevava as taxas de juros, o fluxo estancava, da mesma forma que aumentos nos juros americanos, hoje, têm levado a súbitas guinadas nos capitais investidos em países emergentes. Essas guinadas, não raro, levavam a crises bancárias e, algumas vezes, a moratórias. O país campeão em crises e moratórias importantes, nesse período, foram os Estados Unidos, em 1873, 1894-96 e 1907. O Brasil passou por duas, em 1898 e em 1914.
Depois da Primeira Guerra, nos anos 20, até a Grande Depressão em 30, houve um novo surto de expansão dos fluxos internacionais de capitais, desta vez com os Estados Unidos como principal país exportador de capitais. Os dois ciclos têm em comum o fato de alternarem períodos de forte fluxo de capitais para países emergentes com outros períodos de forte contração.
Desde os anos 30 até os anos 70, prevaleceram os controles de capitais e os fluxos praticamente se limitaram às fontes oficiais. Nos anos 70, na esteira do aumento dos preços do petróleo e do surgimento dos "petrodólares", o fluxo internacional voltou a ganhar impulso. O fluxo privado de capitais, de 73 até hoje, somou US$ 1,3 trilhão, mas marcado por três fases: um salto de US$ 163 bilhões entre 73 e 82, seguido por um fluxo de apenas US$ 103 bilhões até 90 e de US$ 1,055 trilhão de 90 a 96.
A história da abundância de capital para os países emergentes nos anos 70, seguida pela crise da dívida dos anos 80 é bem conhecida. O forte ressurgimento do fluxo de capitais nos anos 90, tem uma participação maior (40%) de investimentos diretos e, em vez de empréstimos, é composto por investimentos em títulos.
A participação dos investidores internacionais aumentou, ajudada pelos avanços tecnológicos, pelo maior acesso a informações e pelos mecanismos mais sofisticados de proteção ("hedge") existentes. Se o passado vale como lição, contudo, é pouco provável que este novo ciclo não seja seguido por períodos de retração e ainda menos provável que isso não signifique dificuldades para os países emergentes.

E-mail: CelPinto@uol.com.br

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