São Paulo, terça-feira, 30 de setembro de 1997
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Profeta está entre o moderno e o arcaico

INÁCIO ARAUJO
DA REDAÇÃO

José Mojica Marins é o cineasta-antropófago por excelência. Inventou o terror brasileiro, mastigou a influência recebida desde que via filmes, na infância. Criou uma obra original.
O terror de Mojica, o Zé do Caixão, remete a lendas que correm nos lugarejos interioranos.
Zé do Caixão é antes de tudo um iconoclasta que pratica atos tipo comer carne na Sexta-Feira Santa. Na época, anos 60, o território da crendice popular era amplo e profundo -embora nas metrópoles já estivesse em decadência.
É na tensão entre velho e novo, crendice e industrialização que se instala o terrível terror de Mojica. Ao contrário do horror anglo-saxão, Mojica não mobiliza nossos fantasmas. A ênfase de seus filmes não vai, digamos, para os mortos que voltam à vida; ao contrário: a passagem para o mundo dos mortos é que é problemática.
Esses aspectos convivem com a mania de grandeza do Zé, que vive em busca da mulher perfeita para procriar o filho perfeito.
Não se trata de uma variante do super-homem, seja qual for. É mais a versão delirante do velho "sabe com quem está falando".
Mojica fala a uma população pobre, a quem os poderosos infundem horror. Ele observa as crendices como formas contraditórias: são defesas contra o poder dos poderosos, mas inviabilizam a esperança de alforria.
Daí o ar ambíguo de Zé do Caixão: com sua imensa cartola negra, ele é um pouco o iluminista que exalta as descobertas da ciência contra o atraso religioso.
É, ao mesmo tempo, uma representação cruel do atraso nacional: é uma caricatura do discurso bacharelesco, de uma oligarquia que se acredita aristocracia.
Zé do Caixão é bem menos profeta da fome do que profeta de uma modernidade sempre vislumbrada e nunca alcançada.

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