São Paulo, terça-feira, 30 de setembro de 1997
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Poderoso catalisador

ANDRÉ LARA RESENDE

É impressionante o espaço ocupado nas últimas semanas por Ciro Gomes. Mero fogo de artifício? Pode até ser, mas tenho a impressão de que há algo mais substantivo por trás da eletricidade provocada pela sua provável candidatura.
É consenso que depois do colapso do comunismo só há um caminho: adotar as instituições políticas e econômicas das democracias capitalistas e incorporar-se à revolução tecnológica da globalização. O consenso pára, entretanto, aí. A perplexidade, as divergências e os ressentimentos associados às diferentes visões sobre os rumos da política continuam mais vivos do que nunca. É possível, entretanto, observar pelo menos uma grande clivagem.
De um lado, encontram-se os otimistas, para quem a revolução tecnológica da informática e das telecomunicações, a redução das distâncias, a menor nitidez das fronteiras nacionais e o avanço do capitalismo globalizado significam uma oportunidade histórica sem precedentes. Não deixam de reconhecer que a revolução do capitalismo global cria problemas e desafios. O saldo é, entretanto, largamente favorável.
Num outro extremo, estão os pessimistas. Para estes, o avanço do capitalismo globalizado, a nova revolução tecnológica e a derrota ideológica do comunismo deveriam ser motivo de profunda ansiedade. Os ganhos da nova revolução tecnológica, assim como os benefícios da nova economia mundial, são infinitamente menores do que supõem os otimistas. Distribuídos de forma ainda mais perversa, poderão aprofundar o fosso das desigualdades até o ponto de ruptura.
Otimistas e pessimistas não coincidem necessariamente com esquerda e direita. Grande parte da antiga esquerda se identifica, entretanto, com as teses do pessimismo. Embora o novo pessimismo tenha um enorme apelo intelectual e emocional, sua agenda de propostas é politicamente vazia. Explica-se, assim, por que para a grande maioria da esquerda, que preferiu adotar o novo pessimismo, só restou a opção de associar-se aos interesses corporativos da velha indústria e do funcionalismo. O resultado é que está em franca retração.
A disputa política, hoje, parece estar restrita ao campo dos otimistas. Há uma parcela da antiga esquerda que reconhece o extraordinário potencial da nova revolução do capitalismo globalizado. Em oposição ao verdadeiro liberalismo, acredita, entretanto, que o papel do Estado vai além da mera defesa dos direitos e dos objetivos individuais: é preciso garantir um mínimo de igualdade e de sentido comunitário.
A nova esquerda pode, por sua vez, ser classificada em dois campos. De um lado, os moderados que consideram estreitos os limites do possível: a tentativa apressada de impor, pela ação direta do Estado, seu paradigma de sociedade põe em risco o bom funcionamento da economia e as liberdades democráticas. Do outro lado, os radicais que acreditam num Estado forte, capaz de domar o capitalismo democrático global e impor-lhe seus objetivos.
A personalidade magnética de traço autoritário de Ciro Gomes, associada à obsessiva competência intelectual de Mangabeira Unger, tem tudo para se transformar num poderoso catalisador do radicalismo voluntarista. Seu apelo numa sociedade como a brasileira não pode ser menosprezado.

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