São Paulo, quarta-feira, 22 de abril de 1998
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Filósofo Lyotard morre aos 73 em Paris

JOÃO BATISTA NATALI

JOÃO BATISTA NATALI; RODRIGO AMARAL
DA REPORTAGEM LOCAL

RODRIGO AMARAL
O filósofo Jean-François Lyotard, influente pensador francês da segunda metade do século, morreu na madrugada de ontem, em Paris. Ele tinha 73 anos e sofria de leucemia. Estava internado havia mais de um mês no hospital Necker, no bairro nº 15.
Segundo o filósofo Gérald Sfez, que foi aluno de Lyotard e prepara um livro a respeito de sua obra, até pouco antes da internação, Lyotard continuou trabalhando, apesar da leucemia. "Ele resistiu muito e, mesmo no fim de sua vida, não mudou, permaneceu como sempre foi", afirmou Sfez à Folha.
Ele estava escrevendo um novo livro, "La Confession d'Augustin" ("A Confissão de Agostinho") , que foi deixado praticamente pronto e deve ser publicado neste ano pela editora francesa Galilée.
Pós-modernismo
O nome de Lyotard ficará associado à noção fluida de pós-modernismo, que inspirou em 1979 o mais conhecido de seus textos.
Nascido no subúrbio parisiense de Versalhes, tornou-se em 1950 professor de filosofia no ensino secundário e lecionou na Argélia, então território colonial francês.
Entre 1952 e 1966 integrou o coletivo "Socialismo ou Barbárie", espécie de grupo de neotrotskistas liderados por Cornelius Castoriadis e entre os quais também se encontrava o filósofo Claude Lefort.
Mais tarde, rompeu com o grupo e com o cordão umbilical que ainda o mantinha ligado ao marxismo. "A revolução é uma idéia pequena, insipiente. Devemos eliminá-la", afirmou pouco depois.
Passou a fazer parte do coletivo de pensadores inconformistas que se projetou na França após o movimento estudantil de maio de 1968. Lecionou na época na Universidade de Paris-13 (Nanterre), foco do movimento e onde estavam matriculados seus dirigentes.
Transferiu-se em 1970 para a Universidade de Paris-8 (Vincennes), na qual o recém-criado departamento de filosofia foi confiado a Michel Foucault. Vincennes, onde prevalecia uma estrutura bastante aberta de ensino, funcionava como o centro de contestação ao racionalismo hegeliano.
Essa aversão a Hegel, filósofo alemão do século 19, fundador da moderna dialética e da filosofia da história, tornou-se quase obsessiva naquele clima de efervescência.
A verdadeira opressão, argumentavam professores e estudantes, não vinha apenas da burguesia, conforme afirmavam os marxistas. Vinha sobretudo do arcabouço institucional construído pelo racionalismo, e do qual o Estado foi o mais opressivo exemplo.
Essa espécie de visão libertária da política e da cultura e essa apologia da singularidade em oposição ao coletivo massificante estavam desprovidas de qualquer projeto militante, mas se tornaria um dos núcleos daquilo que nos anos 80 passou a se chamar pensamento pós-moderno.
A expressão pós-modernismo já havia sido empregada na história e na arte. Tornava-se, a partir de então, uma bandeira que exaltava a diversidade, o pensamento afastado de um único núcleo, de um único foco, como o progresso material, a revolução socialista e outras dimensões utópicas que o mercado das idéias, mesmo as supostamente revolucionárias, acabava por lastrear.
Lyotard foi quem primeiro discorreu em livro, de forma didática para os jargões da época, sobre essa nova forma de pensamento.
Não foi um filósofo original, autor de um sistema, mesmo porque o "sistemismo" se tornara um condenável palavrão. Em lugar de Aristóteles ou Hegel, sistêmicos por excelência, as referências se deslocavam para Kant e Nietzsche.
O autor de "O Pós-Moderno" (tradução no Brasil de "La Condition Post-Moderne") foi no entanto modesto ao investir contra os representantes míticos da racionalidade. Não apenas poupou Sigmund Freud -duramente castigado por Gilles Deleuze e Felix Guatari, também professores em Vincennes- como também nele se baseou para redigir "A Economia Libidinal", o segundo mais conhecido de seus livros.
Lyotard foi um dos críticos do que na França se convencionou chamar de "sociedade mediática", dentro da qual a mídia faz circular o mínimo de idéias para um máximo de imagens.
Mas se trata de um paradoxo para este personagem da mídia, que cresceu no mercado editorial justamente porque a universidade e as editoras, centros de fermentação de modismos, passaram a depender, até o final dos anos 70, do espaço que a televisão lhes abria.
O fato é que Jean-François Lyotard foi hábil ao direcionar sua carreira docente com os dividendos que sua nova imagem propiciava. Tornou-se na Universidade de Paris apenas um professor emérito. Passou a dar conferências, e por elas ser muito bem pago, na Universidade da Califórnia e na Universidade Emory, em Atlanta, ambas nos EUA.
Numa França em que o exotismo conceitual perdeu aos poucos seus atrativos, Lyotard deixa o mundo dos vivos como um dos derradeiros e prolixos modismos.

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