São Paulo, domingo, 14 de junho de 1998
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Saquearam os macumbeiros em Nova Russas

DO ENVIADO ESPECIAL

Na sexta-feira, 1º de maio, o sindicato dos trabalhadores rurais de Nova Russas fez uma passeata pela cidade. Queriam o trivial simples: vagas nas frentes de trabalho e cestas básicas.
A prefeita Iranede Veras Rosa, PSDB, mulher e nora de ex-prefeitos, anunciou que na segunda-feira entregaria 5 toneladas de mantimentos ao sindicato. Segunda-feira foi 4 de maio. Mil pessoas amanheceram na praça onde está o sindicato. Seus diretores disseram que não tinham comida nem estrutura para distribui-la e pediram socorro à prefeita.
Ela mandou o marido (secretário de Planejamento), que explicou: não havia comida e, quando houvesse, seria distribuída nas comunidades, não no centro da cidade. Dito isto, o sindicato foi invadido. Levaram dez sacos de milho para plantio e quatro de sementes de sorgo.
"A macumba virou contra o macumbeiro", ri a prefeita, que teve de montar uma rápida operação de esclarecimento para que os saqueadores não cozinhassem o milho, pois continha veneno de semente.
Como o saque não rendeu, a multidão foi para a Escola 11 de Novembro, uma bem-cuidada edificação, protegida por um portão de ferro. Entraram por uma portinha lateral. Uma vizinha, Rita Marques, narra o que viu:
"Eles jogavam pacotes por cima do muro. A coisa toda durou uma hora. Chegou a polícia, e aí dividiu melhor. A coisa continuou por mais duas horas. Uma criança ficou aqui na calçada, chorando. Eu fiz um suco de caju para ela. A mãe disse que era fome. Devia ser, porque ela tomou logo."
Um saque que começa em sindicato e melhora com a chegada da polícia não é um saque qualquer, mas dona Rita não delirava. A PM de Nova Russas efetivamente supervisionou a limpa da Escola 11 de novembro. Quatro dias antes, FFHH anunciara, ao empossar o novo superintendente da Sudene, que "se o apelo moral não é suficiente, a lei se fará sentir de toda maneira".
É fácil falar em lei em Brasília, mas fazê-la sentir em Nova Russas é coisa bem diversa. Às 9:15 hs. quando o soldado Marco Antonio Martins de Araújo, 28 anos e 7 de PM, chegou à escola com dois outros colegas, ela já estava invadida. Tinham pedido reforço ao quartel de uma cidade próxima, mas estavam sós.
Havia umas mil pessoas do lado de fora. Por uma boa meia hora os dois lados se estudaram, até que a multidão foi em frente. Para evitar que a escola fosse depredada e que a limpeza saísse dos limites do depósito da merenda escolar, saqueadores e policiais entenderam que era necessário botar um pouco de ordem naquela bagunça.
E assim a PM cuidou de manter uma barreira que permitisse às pessoas pegar a mercadoria em paz. A esta altura, a distribuição já estava a cargo de funcionários da prefeitura. Às 11h30, chegaram os reforços, mas o saque acabara. Tinham levado 8 mil merendas.
No dia seguinte, a prefeita distribuiu 4 mil cestas básicas e Nova Russas voltou ao normal, com o comerciante Raimundo Nonato Azevedo, 43 anos, na segunda geração de donos da Mercearia Azevedo, que continua dando dois ou três reais por dia às pessoas que param e pedem.
"Agora está mais civilizado. Meu pai contava que, no saque de 1979, eles vinham, diziam que precisavam de um saco de farinha, e levavam.

Texto Anterior: Polícia Militar oferece lição em Tauá
Próximo Texto: Senador Sá é uma jóia no agreste cearense
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.