São Paulo, domingo, 14 de junho de 1998
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As contas do Brasil S.A.

CELSO PINTO

Se a Petrobrás investe na produção de petróleo ou a Eletrobrás gasta para gerar energia, o déficit público cresce, mesmo que o retorno desses investimentos seja alto. Faz sentido?
O ex-presidente do Banco Central Pérsio Arida, hoje sócio do Banco Opportunity, há tempos batalha pela idéia de que é preciso ter uma outra contabilidade para medir o desempenho do setor público. Não para substituir a que existe, mas para enriquecer a compreensão.
O conceito de contas públicas usado pelo Brasil (e pela maioria dos países) é o do FMI. A preocupação central é entender o impacto do desempenho do setor público sobre a demanda agregada da economia, porque a demanda, por sua vez, afeta as contas externas do balanço de pagamentos.
Olhando o setor público desse ponto de vista, faz sentido incluir os investimentos das estatais como gastos que aumentam o déficit público, porque eles influem sobre a demanda agregada. O problema, argumenta Arida, é que as pessoas, em geral, acabam entendendo esse déficit como sinônimo de déficit no sentido econômico, ou seja, como um indicador da saúde econômica do país.
Aí, não faz sentido incluir os gastos das estatais. A rigor, o déficit público (conceito FMI) pode subir e, ainda assim, o país ficar mais rico. Da mesma forma, o déficit pode baixar e o país ficar mais pobre.
Para se entender o impacto econômico, deveria haver uma contabilidade que seguisse os mesmos princípios usados pelas empresas. Se fosse feita uma radiografia do Brasil S.A., seria possível olhar o desempenho pelo demonstrativo de lucros e perdas, e a situação patrimonial comparando ativos e passivos.
Num quadro de lucros e perdas, faria sentido comparar receitas e gastos em geral. As estatais, contudo, teriam um papel semelhante ao das empresas coligadas. Num balanço empresarial, os resultados das várias empresas coligadas são absorvidos de forma líquida, via equivalência patrimonial.
Não interessa quanto a empresa coligada "A" gastou e sim como oscilou seu valor num certo período. O que pode ser medido de duas formas: pelo cálculo do valor patrimonial ou pelo valor de mercado. O que vai para o resultado da empresa é a variação, para cima ou para baixo, desses valores.
No caso do Brasil, sugere Arida, seria útil fazer o mesmo em relação às estatais. Medi-las por seu valor patrimonial ou de mercado e agregar o resultado líquido ao desempenho do setor público. Por exemplo: se a Petrobrás estivesse contabilizada a R$ 100, por seu valor de mercado, em 96, e caísse para R$ 80 em 97, o déficit público subiria R$ 20. Se o valor subisse para R$ 120, o déficit global seria reduzido em R$ 20.
Arida não tem idéia se o déficit das estatais, medido dessa forma, aumentaria ou reduziria o déficit pelo conceito do Fundo. Com a queda recente nas bolsas, é provável que aumentasse o déficit. O que importa, a seu ver, seria ter uma noção mais clara do sentido econômico do déficit e não misturar, no debate, o déficit entendido dessa forma com o déficit medido como indicador de gastos agregados.
Quanto ao desempenho patrimonial do país, Arida fez um acompanhamento próprio quando esteve no governo. Olhando apenas o governo central, os principais passivos devidos a prazo mais curto são as dívidas interna e externa. Os principais ativos são as reservas cambiais, os resultados das estatais e as dívidas dos Estados.
Posto no papel dessa forma, diz Arida, é impressionante ver como cresceu o tamanho dos débitos estaduais junto ao governo central (a atual rodada de renegociações supera R$ 100 bilhões). Isso quer dizer que o governo central está cada vez mais dependente do pagamento regular dos Estados. Como a história do Brasil está repleta de sucessivas renegociações de dívidas já renegociadas com os Estados, é algo preocupante.
Outro ponto claro, quando se faz um balanço patrimonial do governo central, é o descasamento entre a remuneração (menor) dos ativos, comparada ao custo (maior) dos passivos.
Arida está convencido de que publicar os resultados do Brasil S.A. aumentaria a transparência da situação econômica do setor público e permitiria enriquecer o nível do debate. Fica a sugestão.

E-mail: CelPinto@uol.com.br

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