São Paulo, domingo, 14 de junho de 1998
Próximo Texto | Índice

Homem busca ajuda para 'salvar espécie'

LUCIA MARTINS
AURELIANO BIANCARELLI

LUCIA MARTINS; AURELIANO BIANCARELLI
DA REPORTAGEM LOCAL

Eles fazem terapia de grupo e formam associações para discutir e encontrar seu novo papel na sociedade

Cansado de seu papel de provedor e vencedor, o homem está buscando ajuda nos consultórios e nos encontros com amigos. No mundo todo, cresce o número de grupos organizados para debater questões como o masculismo e a retomada da masculinidade.
Nos EUA e no Canadá, já são mais de 300 organizações. Em São Paulo, uma tese acaba de analisar o primeiro grupo terapêutico com homens. Em outra frente, um grupo que estuda sexualidade masculina está montando uma rede de debates em todo o país.
Menos preocupados com a guerra dos sexos, os homens buscam até a ajuda feminina. As duas partes reconhecem que o modelo clássico do homem fracassou. Falta definir um novo modelo.
O homem que emerge da tese concluída em São Paulo é uma pessoa incompreendida e em conflito. A tese, que será defendida nas próximas semanas, é do psicoterapeuta Luiz Cuschnir, 48, que coordena o "gender group" do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas. O termo "gender" é empregado para designar as questões relacionadas aos diferentes papéis dos sexos.
"É a primeira vez, no Brasil, que uma faculdade de medicina se preocupa com o homem", diz Cuschnir. "O adolescente é preparado para ser um provedor e um trabalhador, não para cuidar dele mesmo. Não se prepara nem para a doença, nem para a velhice." O resultado disso faz do simples fato de pertencer ao sexo masculino um fator de risco à saúde, segundo a Sociedade Brasileira de Psiquiatria.
No cotidiano, o homem vem se revelando cada vez mais desajustado. Apesar de colocar o sucesso profissional em primeiro plano, seu salário já não é o único nem o maior. Sua autoridade é questionada e até dispensada pela mulher e pelos filhos. Quando tenta dividir tarefas domésticas, atrapalha. Ele sabe que precisa se adequar, mas não sabe como.
"Não quero uma mulher submissa, esperando o homem de chinelo dizendo 'o que você quer para o jantar?' Não quero que ela pare, mas tenho medo de eu mesmo ficar no meio do caminho", relata um dos homens que participaram do grupo de gênero do HC.
Para Cuschnir, "nunca houve uma transformação de relação de gênero tão drástica quanto no século 20". "É uma reviravolta."
Muitas trilhas estão sendo experimentadas na busca desse novo homem. Nos EUA, um movimento que se auto-intitula como os "mitopoéticos" prega a volta à masculinidade por meio da natureza. Em passeios noturnos pela mata, os homens costumam se abraçar e gritar. Muitas vezes o ritual inclui "dançar" em volta de um objeto em formato de pênis.
Experiência com alguma semelhança é praticada por grupos formados por Cuschnir.
Em alguns finais de semana, um grupo de homens passeia pela floresta de hotéis e termina conversando em volta de uma fogueira. Cuschnir faz questão de diferenciar seu grupo do americano. "Para mim, a natureza é apenas um novo set terapêutico."
O termo masculismo é empregado por Cuschnir para designar o estudo da masculinidade, mas pode significar também uma referência ao feminismo.
O sociólogo Dario Caldas acredita que os homens estão vivendo uma revolução muito semelhante ao movimento feminista. "O homem está vivendo um momento de dúvida e de questionamento."
Um núcleo de debate mais amplo existe há três anos em torno do Gesmap, Grupo de Estudos sobre Sexualidade Masculina e Paternidade. O grupo é ligado à Ecos, uma ONG para o estudo da sexualidade e reprodução humana.
Uma reunião de textos foi publicada com o nome de "Homens e Masculinidades, Outras Palavras". Masculinidades é a palavra chave dessa corrente. "Em vez de falarmos de uma identidade, falamos em posicionamentos", diz o psicólogo Benedito Medrado, um dos autores. Por esse olhar, o homem não quer mais rótulos, é contrário a modelos como o do homem dominante, mas também se opõe ao tipo sensível. "Não queremos definir um modelo de um movimento."

LEIA MAIS sobre o homem em crise nas págs. 2 e 3

Próximo Texto: FRASES
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.