São Paulo, domingo, 14 de junho de 1998
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Iranianos estréiam em Copa sob regime de aiatolás

MARIA CRISTINA FRIAS
ENVIADA ESPECIAL A SAINT-ÉTIENNE

Pela primeira vez, sob o regime dos aiatolás, o Irã entra em campo para disputar a Copa. O país só havia participado do Mundial de 1978, alguns meses antes da queda do xá Reza Pahlevi. Mais do que em qualquer outra chave, política e futebol se misturam na curiosa formação do Grupo F.
O sorteio impôs à seleção iraniana, a última a se classificar nas eliminatórias, os adversários que a república islâmica menos gostaria de ver por perto. Há 19 anos, os EUA são considerados "o Grande Satã", um dos maiores inimigos do Irã no mundo.
Com relação à Iugoslávia, os iranianos apoiaram ativamente religiosos muçulmanos em sua luta contra a agressão sérvia. E foi a Alemanha que apontou a responsabilidade de iranianos em atentados, o que provocou, na ocasião, o afastamento de embaixadores europeus de Teerã. Oficialmente, nada disso veio à tona.
"A política não está em jogo. Estamos aqui por causa do futebol", disse esta semana, em entrevista coletiva, o novo técnico da seleção iraniana, Jalal Talebi. Os dirigentes da Federação Islâmica de Futebol do Irã interferem na equipe e já trocaram de técnico duas vezes desde a classificação do país.
A impaciência com os resultados é reflexo da mania de futebol que tomou conta do país e derrubou a luta livre da preferência nacional, desde que o Irã empatou com a Austrália por 2 a 2, garantindo a vaga mais sofrida.
A imprensa iraniana passou a cobrir melhor o esporte e já não é mais difícil encontrar no país quem conheça os craques brasileiros e até sonhe em ver o time do Irã jogar contra a seleção de Ronaldinho na Copa. Enquanto esse sonho não se realiza, os iranianos vão concretizando outros anseios.
Mulheres, que são proibidas de assistir a jogos de futebol, forçaram a entrada ao estádio de Teerã, em dezembro, para participar da enorme festa que virou a recepção à equipe quando obteve a classificação para a Copa.
A ousadia de cerca de 5.000 mulheres que, junto com outros milhares de homens, infringiram a proibição de cantar e dançar em locais públicos, paralisou religiosos, policiais e os "basiji", voluntários encarregados de controlar a ordem e o comportamento.
Logo depois, aparentemente por temer uma outra manifestação incontrolável, o líder supremo do país, aiatolá Ali Khamenei, mandou soltar um político ligado ao moderado presidente Muhammad Khatami, eleito há 13 meses com o voto de mulheres e jovens.
O interesse pelo futebol, um esporte "imperialista, ópio do povo", segundo os conservadores, em detrimento da tradicional luta livre, parece uma metáfora do desejo de abrir o regime, expresso na eleição de Khatami.
Rezas diárias
Segundo o técnico do Irã, os jogadores, todos muçulmanos, rezam quatro vezes por dia, diariamente. Suas mulheres não foram à França. Segundo a imprensa iraniana, elas estiveram com os maridos em Roma, por onde a equipe passou antes chegar a Yssengeoux.

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