São Paulo, domingo, 14 de junho de 1998
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'Considero-me uma sobrevivente', diz vítima

AUGUSTO GAZIR
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

"Eu me considero uma sobrevivente e carrego todo o peso e toda a carga disso, porque os militares mataram sem nenhuma razão."
O depoimento é de Beatriz Castiglioni, que permaneceu grávida em Campo de Maio por 17 dias em abril de 1977.
Ela esteve junto de outras mulheres grávidas, todas presas em galpão da instalação militar. Beatriz foi libertada dias antes do nascimento de seu filho, Fernando. Os militares, segundo ela, disseram que haviam cometido um engano ao prendê-la.
"Quando soube que estavam mortas, me perguntava como estou viva. Havia militado quatro anos antes na Juventude Peronista e, como eu, muitas ali não tinham ativa participação política."
Beatriz conta que quando chegou ao Campo de Maio foi interrogada e insultada. "Eles disseram que me arrebentariam depois do nascimento do meu filho."
Ela, hoje psicóloga, afirma que a única agressão física que sofreu foi um golpe na cabeça, o que classifica como sorte.
"Conheci uma mulher grávida que foi torturada terrivelmente. Ela não podia beber água por causa da quantidade de choques elétricos que tomou."
O ex-marido de Beatriz, que foi preso e libertado junto com ela, teve três costelas quebradas e foi mordido por cachorros.
Os presos, segundo a psicóloga, dormiam no chão e passavam boa parte do tempo encapuzados e algemados. "Éramos chamados por números. Fiquei com o 229."
"Quando fomos presos, nos informaram que o procedimento era ilegal e que estávamos em uma guerra suja."
Depois do regime militar, quando denunciou o ocorrido, Beatriz soube que todas as mulheres grávidas que estavam com ela haviam desaparecido. Segundo investigações de uma comissão formada pelo novo governo democrático, as mulheres tinham os filhos em Campo de Maio, ficavam horas com ele e depois eram executadas.
"Tiraram a identidade de um monte de garotos para que não assimilassem as idéias dos pais.
Sabe o que é mais incrível? O fato de deixarem testemunhas. Foi uma mistura de soberba com certa compaixão. Pensavam que nunca ocorreria nada com eles."
(AG)

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