São Paulo, quarta-feira, 17 de junho de 1998
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Sozinha, torcida brasileira faz passeio por Nantes

SÉRGIO DÁVILA
ENVIADO ESPECIAL A NANTES

Segundo números da polícia local, cerca de 10 mil brasileiros estiveram ontem na cidade, atraídos pelo jogo da seleção

Não foram necessários nem a programação de agências de turismo nem guias contratados. A massa anônima de brasileiros que invadiu ontem Nantes se agregou espontaneamente e, no boca-a-boca, dividiu sozinha seu dia em lugares-chave a ser visitados.
Cerca de 10 mil brasileiros estavam em Nantes ontem, segundo números da polícia. Grande parte fez o mesmo roteiro, que começava na estação de trem perto do rio Loire, que cruza Nantes.
Então, descobria-se que o próximo passo deveria ser pegar o tranvia, espécie de ônibus-trem, em direção à praia de Copacabana, a falsa princesinha de Nantes.
A primeira parada acontecia na praça em frente à rua Sainte Catherine, endereço do hotel Mercure, onde se hospedou a seleção brasileira. A cada carro que saía, todos corriam para ver quem era.
"Acho que eles não vão mostrar as caras, mas não desisto", dizia o paulista Placidino Stábile, que esperava havia uma hora.
O hotel, um três estrelas construído em 1912 que já recebeu David Bowie e Jacques Chirac, fica a 50 metros da praça Sarajevo, também conhecida como do Comércio, onde uma pequena, porém ruidosa, torcida do Marrocos se reunia -esse era o passo seguinte do torcedor brasileiro em Nantes.
O grupo, cerca de 50 pessoas, vestia-se com as cores da bandeira de Marrocos, tocava pandeiros e gritava palavras de ordem que cinco dos marroquinos parados pela reportagem da Folha se recusaram a traduzir.
"Todas são muito respeitosas e falam apenas que o Marrocos vai ganhar", disse um deles, que não quis se identificar, durante uma marchinha que trazia nitidamente a palavra "Brasil" no coro.
Destino final: Copacabana, a praia artificial, sem água mas com areia, montada pela prefeitura a partir da praça Marechal Foch que virou o centrinho, o footing dos brasileiros em Nantes.
Enquanto rodinhas dançavam ao som (mecânico) de axés, Daniela Mercury e outros baianos, os franceses entravam no espírito pela metade: deitavam nas cadeiras de praia sobre a areia, mas vestidos até o pescoço, apesar do sol.
Nas quadras, além de futevôlei e futebol na areia, teve apresentação de um jogo "tipicamente brasileiro, jogado com as mãos e os pés", como anunciado (tratava-se da peteca), e um outro, inédito.
Dois times de futebol se enfrentavam, um deles com jogadores completamente vendados. Estes eram guiados pelo capitão, que ficava fora da quadra, dando instruções por microfone. Atrás de cada gol, um menino gritava a intervalos de cinco segundos para que o time às escuras se localizasse.
Perto das 21h, o roteiro terminava num só assunto: o jogo. A torcida então se dividiu entre os que foram para o estádio e os sem-ingresso, que lotaram a praça oposta a Copacabana, com um telão colocado pela prefeitura.
Foi o que fez o paulistano Eduardo Nassif, 31, que tentou comprar ingressos dos cambistas. "Eles estão pedindo preços irreais", disse.
Surrealismo
Por fim, o tom da cidade durante toda a passagem da seleção brasileira e de sua torcida só reforçou a fama de Nantes, que gosta de ser chamada de berço do surrealismo.
Em todos os lugares, a interação entre brasileiros, marroquinos, franceses e estrangeiros de passagem não raro desembocava numa hilariante torre de babel.
Como a conversa a seguir, ouvida ontem num dos bares, entre um torcedor brasileiro e quatro ingleses, os cinco "monoglotas" e alcoolizados: "Então, eu falei, tem que colocar o Denílson!" "De-new-son? Good, good player!" "Pelé? Pois é, foi o melhor, e era brasileiro!" "Scotland? No way. Scotland had no chances."

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