São Paulo, quinta-feira, 18 de junho de 1998
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Gente que faz

JOÃO BATISTA NATALI
ENVIADO ESPECIAL A NANTES

O engenheiro Pierre Faure, 55, tem o sorriso saudável de um veterano escoteiro. Ele é um dos 12 mil franceses e estrangeiros que vestem um uniforme de moletom verde para um longo expediente de trabalho pelo qual não recebem nenhuma remuneração.
É especialista em telefonia e telecomunicações. E é também um dos voluntários que de certo modo tornam possível o andamento dessa máquina de produzir pequenos e grandes problemas chamada Copa do Mundo.
Ele estava anteontem às 9h30 no estádio de La Baujoire, em Nantes, onde a partida entre Brasil e Marrocos começaria pelo horário local apenas às 21h. Verificou mais uma vez a capacidade de tráfego nos cabos de conexão digital.
Testou ainda o sistema de telefonia e de transmissão de imagens e providenciou um técnico para um reparo de última hora numa das estações que permite a comutação de sinais entre os rádios de outros voluntários, aqueles responsáveis pela segurança.
Detalhe importante: funcionário da France Telecom, a ex-estatal francesa de telecomunicações, ele cedeu à Copa duas semanas de trabalho. Não marcou o ponto em sua empresa durante todo esse período. Por causa disso, será descontado em duas semanas quando chegar seu período anual de férias.
A cem metros de distância, sem o mesmo currículo profissional mas com uma irradiante boa vontade, Emmanuelle Trouve, 21, assumia seu posto de recepcionista no salão reservado à mídia.
Rostinho redondo, ela é universitária. Faz letras modernas. Fala correntemente inglês e alemão.
"O Mundial enriquece a gente, pela qualidade dos contatos humanos, pela oportunidade de participar de um evento que provavelmente não ocorrerá novamente na França antes de muitas décadas", diz ela.
Entre as 950 pessoas que trabalhavam em Nantes, uma das dez sedes do Mundial, havia também uma brasileira, a recepcionista Nathalie Justum, 22, que mora na França há quatro anos e meio (leia entrevista nesta página).
História
O voluntariado é uma antiga instituição francesa. Nasceu na segunda metade do século 19, como forma estruturada de assistência ao operariado que sofria na pele as duras condições do cotidiano da Revolução Industrial.
Entidades filantrópicas se espalhavam pelos cortiços para identificar a ocorrência da tuberculose, ensinar prevenção à sífilis, distribuir leite para os recém-nascidos ou socorrer as viúvas dos soldados mortos na rápida guerra contra a Prússia, em 1871.
Socialistas e anarquistas acreditavam que o voluntariado dava à sociedade uma visão distorcida. Despolitizava os efeitos da opressão econômica. Mas as coisas mudaram. Quase não há mais miseráveis, e o assistencialismo tem hoje como maior promotor o Estado, com sua rede de assistência social.
A rigor, o voluntariado na França é praticado por milhares de pequenas associações, que fornecem a entidades esportivas 80% de sua mão-de-obra. Elas são regidas por uma lei de 1901 que regulamentou o funcionamento daquilo que se chamaria, muitas décadas depois, de ONGs, as organizações não-governamentais.
O CFO (Comitê Francês de Organização), responsável pela organização e gerenciamento da Copa da França, criou em paralelo uma associação, dentro da qual funciona esse pequeno, competente e quase sempre sorridente exército de voluntários.
A competência, aliás, é um dos pontos que diferencia o voluntariado da Copa daquele que participou da Olimpíada de Atlanta (EUA), em 96, evento que acabou marcado pela desorganização.

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