São Paulo, quinta-feira, 18 de junho de 1998
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Quadrinhos ironizam 'futemania'

ALCINO LEITE NETO
ENVIADO ESPECIAL A PARIS

O torcedor é uma besta, sua mulher é uma verdadeira "amélia" por ter de suportar a paixão insana do marido, o futebol é esquisito e cheio de regras absurdas. Assim boa parte dos álbuns de quadrinhos franceses sobre o esporte tratam da "futemania". Nas últimas semanas, quase uma dezena deles chegou às livrarias de Paris.
Alguns são uma espécie de antologia de desenhos, outros, uma aventura completa. Há os mais infantis, que tratam de ensinar as regras e a história do futebol para crianças, e outros que abusam da perversidade em narrativas.
Nos recém-lançados, os ataques dos cartunistas dirigem-se sobretudo aos torcedores e suas manias. Nesse ponto, as críticas são universais: a obsessão dos fãs com os seus times, as tantas horas que eles passam diante da TV e a extravagância de ficarem discutindo, turbinados por litros de cerveja.
Em "Allez Les Bleus" (vamos lá, azuis -grito da torcida da seleção francesa), de Jean Faivre e Sulpice, uma família vive em clima de caos e barbárie por conta da paixão do pai, torcedor fanático, que não se conforma que um filho prefira os jogos eletrônicos ao futebol.
Os desenhistas fazem das mulheres comparsas de seu olhar crítico em relação à paixão masculina pelo futebol. "Querido, quero o divórcio", diz a mulher, vestida com uma insinuante camisola. "Depois do jogo, amor", responde ele.
Em uma história de Gaston, na coletânea "On S'En Foot" (trocadilho com "estou me lixando"), uma mulher reclama: "Eles são os 'supporteurs' (torcedores), mas somos nós que os suportamos".
Os mais interessantes e menos ingênuos, no entanto, são os que fogem aos clichês da vida doméstica e do sexo e enfrentam a difícil tarefa de tirar humor de dentro do campo, com 22 homens correndo dramaticamente atrás da bola.
Em "Champions" (campeões), o desenho de Gursel, embora convencional, consegue dar conta das atribulações dos jogadores no gramado. Nele, as situações cômicas nascem da agitação dos dribles ou de um ataque ao gol.
Nos cartuns de Duboillon, em "Du Foot" (do futebol), aparecem as tiradas mais elaboradas, em que o gol, com seus perigos e ciladas, é o tema principal. É um desenho limpo, quase sem palavras, que fala mais próximo ao torcedor, sem esnobar o seu gosto pelo esporte.
"O futebol deixa imbecil" ("le foot rend con"), escreveu alguém à mão no muro de uma esquina em Paris. Num dos álbuns de quadrinhos, a mesma idéia ressoa: "O futebol, isso deixa a gente estúpido" ("le foot, ça rend bête").
É mais que coincidência. As frases expressam o sentimento de muitos franceses, apesar dos lucros políticos e midiáticos com a Copa: a idéia de que o futebol é uma variante da idiotia. Numa charge de Faujour, um médico mostra a radiografia do cérebro de seu paciente-torcedor a ele: "Sete metástases e nenhum neurônio".
Noutra história, torcedores passam por mil atribulações para chegar a um jogo e caem por engano, horrorizados, numa partida de tênis. Ainda está para ser examinada a diferença que eles estabelecem no plano da qualidade intelectual entre o tênis e o futebol. Talvez o tênis os atraia mais por seu individualismo e seu caráter aburguesado. A França é a terra, afinal, da Revolução de 1789 e da proclamação das liberdades individuais.

Onde encontrar - Os livros podem ser encomendados por meio da Internet: http://www2.fnac.fr/home.html.

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