São Paulo, sábado, 20 de junho de 1998
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Democratizar o Judiciário

URBANO RUIZ

Nosso ordenamento prevê um conjunto de direitos e deveres dos pais com relação à pessoa e aos bens dos filhos menores.
O artigo 384, inciso 1, do Código Civil, impõe aos pais a obrigação de prover a educação dos filhos. A lei penal os sujeita às penas dos crimes de abandono material e intelectual se deixarem de prover a alimentação e a instrução primária dos filhos em idade escolar (Código Penal, arts. 244 e 246).
Segundo a Constituição Federal (artigo 205), a educação é direito de todos e dever do Estado e da família, tanto que o ensino fundamental é obrigatório e gratuito (Estatuto da Criança e do Adolescente, ECA, art. 54, inciso 1), cabendo ao município atuar prioritariamente no ensino fundamental e na educação infantil (Constituição Federal, art. 211, parágrafo 2º, art. 60 das disposições constitucionais transitórias). É assim porque, dentre os objetivos fundamentais de nossa república, está o de construir uma sociedade livre, justa e solidária, garantindo o desenvolvimento, erradicando a pobreza e a marginalização, reduzindo desigualdades sociais (art. 3º).
Que fazer, contudo, se faltam vagas na rede de ensino público?
Problema dessa ordem foi eficientemente resolvido, recentemente, na cidade de Rio Claro (SP), onde o promotor de Justiça, dando-se conta dessa tragédia, resolveu apurar junto à Delegacia de Ensino quantas vagas faltavam no ensino fundamental, de responsabilidade do município, e promoveu ação civil pública (ECA, art. 210, inciso 1) para obrigar a municipalidade a criá-las, para que no ano letivo de 98 nenhuma criança ficasse fora da escola, sob pena de multa diária (ECA, art. 211, parágrafo 2º), além de responsabilizar penalmente o prefeito, que poderia ser destituído do cargo e ficar inabilitado para exercício de cargo ou função pública por cinco anos (Decreto-lei 201/67, art. 1º, inciso 14 e parágrafo 2º).
A notícia provocou debates.
O juiz, logo após uma audiência prévia dos interessados, determinou, liminarmente, a criação das vagas faltantes. A ação não foi contestada, e as vagas foram criadas, de maneira que naquela cidade não há criança em idade escolar que não tenha vaga garantida na escola.
Esse fato mostrou a possibilidade de utilização do Judiciário para o desenvolvimento de políticas públicas, ou seja, por meio dele é possível exigir das autoridades que cumpram seus deveres, que tomem atitudes. Também serviu para demonstrar que o juiz deve ser visto pelo cidadão como um garantidor de direitos. Se a lei assegura um direito, deve ter mecanismo para realizá-lo.
O Judiciário ganha maior destaque e utilidade quando se empenha na tutela dos direitos coletivos, quando numa só ação, de modo pronto e ágil, faz valer direitos que beneficiam toda uma comunidade. Isso significa democratizar o Judiciário. Não se pode perder de vista que o direito constitui mecanismo de fazer valer interesses dos oprimidos diante do Estado e limitar e conter os abusos dos governantes.
É possível colocar o Judiciário a serviço do povo, no resguardo de seus direitos, na defesa de interesses coletivos. Esse é o grande avanço, o passo que precisamos dar, na defesa ou no desenvolvimento de políticas públicas.

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