São Paulo, sábado, 20 de junho de 1998
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Se não é 1970, se não era o Brasil, então era a Nigéria

CLÓVIS ROSSI

Houve um punhado de momentos, durante o primeiro tempo de Nigéria x Bulgária, ontem à tarde, em que os bons velhos tempos pareciam ter voltado ao futebol.
A seleção nigeriana chegou até a lembrar, que me perdoem os excessivamente saudosistas, o Brasil de 1970. O gol da Nigéria, então, foi um momento luminoso. Primeiro pela ação coletiva (quatro jogadores tocaram na bola rapidamente). Depois, pela finta e pela finalização de Victor Ikpeba, 25 anos, jogador do Monaco (França).
A Nigéria lembrava o Brasil de antigamente por algumas jogadas, mas também pela reação dos adversários: os búlgaros entravam em estado de absoluto pânico cada vez que aquele bando de pernas de ébano se aproximava da entrada da área.
E o fazia, aliás, com uma facilidade enorme. Até nos erros, os nigerianos eram "brasileiros". A defesa, como a do Brasil em 1970 ou 1982, facilitava as coisas para a Bulgária, que acabou perdendo um gol certo já no fim do primeiro tempo.
Pena que todo o show nigeriano tenha durado apenas um tempo. Não dá para saber se se cansaram ou foram tomados por excessiva confiança na própria força, o que se aproximava da presunção (e, às vezes, parecia desídia).
Só essa estranha mistura pode explicar como Finidi George, primeiro, e Lawal, em seguida, perderam gols feitíssimos já no fim do jogo.
Ou como os nigerianos abriram o caminho para que os búlgaros perdessem mais dois ou três gols, embora a forma física dos europeus, mesmo vista de longe, parecesse lastimável.
De todo modo, a Nigéria, como Brasil e França, já nas oitavas-de-final, o que é mais um passo adiante na relativamente rápida ascensão do futebol africano ao topo do planeta futebol.
Convém lembrar que a África negra só conseguiu participar pela primeira vez de uma Copa do Mundo (eliminatórias à parte) em 1974, com o Zaire. Que, aliás, foi um vexame só, ao perder de 9 a 0 da Iugoslávia, para não mencionar os 3 a 0 contra o Brasil.
Antes, a África havia sido representada (em 34, 38 e 70) pelos países do norte, mais árabes que africanos.
Foi preciso esperar até 1986 para que uma seleção africana (Marrocos) conseguisse ir além da primeira fase, façanha repetida depois por Camarões (90) e pela própria Nigéria, na Copa mais recente, a dos EUA.
Há, pois, motivos de sobra para que Pelé diga que uma seleção africana vai ganhar, logo, logo, a Copa. Pode não ser desta vez, mas, se for, a Nigéria daria um campeão de bom tamanho.
No outro jogo do grupo, a Espanha deu mais um bom passo rumo ao abismo, ao empatar com o Paraguai, depois de haver perdido da Nigéria na estréia.
Pode até se classificar, se ganhar da Bulgária, na última rodada, e se o Paraguai não vencer a Nigéria. Mas será uma classificação agônica, triste, para um país que tem um dos mais ricos campeonatos do mundo.
É de certa forma um mistério essa desproporção de qualidade entre o campeonato e a seleção. Pode-se supor que o campeonato só é bom por mérito dos estrangeiros que nele atuam. Mas, na Itália e na Alemanha, acontece a mesma coisa e suas seleções acabam se destacando com frequência nas Copas.
Seja como for, dá a impressão que certos jogadores espanhóis, como o atacante Raúl (Real Madrid), só vão bem mesmo quando têm ao lado um ou mais craques estrangeiros. Pena.

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