São Paulo, sexta-feira, 26 de junho de 1998
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Mata atlântica: erros e desculpas em lugar de bom senso

JOÃO PAULO R. CAPOBIANCO

"Se a navegação aviventa o comércio e a lavoura, não pode haver navegação sem rios, não pode haver rios sem fontes, não há fontes sem chuvas, não há chuvas sem umidade, não há umidade sem florestas. Sem umidade, não há prados, sem prados, não há gado, sem gado, não há agricultura."

O que pensaria José Bonifácio, o primeiro ministro do Brasil independente e autor do texto que acabo de reproduzir, sobre o conteúdo do artigo do diretor de meio ambiente da CNA (Confederação Nacional da Agricultura), Assuero Doca Veronez, publicado neste espaço, no último dia 19, sob o título "Mata atlântica: mentiras técnicas em lugar de bom senso"? Certamente ficaria surpreso com o fato de que, dois séculos após iniciar sua luta para tornar a agricultura brasileira mais sustentável, ainda existam pessoas que não entendam a estreita relação entre conservação ambiental e produtividade agrícola.
Sinceramente eu acreditava que a melhoria da produtividade, que inclui necessariamente o aperfeiçoamento e valorização da mão-de-obra e o uso sustentável dos recursos naturais, eram os desafios da maior organização representativa dos agricultores brasileiros às vésperas da virada do milênio.
Mas, independentemente do meu desapontamento pessoal com as posições do representante da CNA, os argumentos que ele utiliza para justificar a oposição de sua entidade ao projeto de lei 3.285, proposto pelo deputado Fábio Feldmann em 1992 para a proteção da mata atlântica, precisam ser contestados. São basicamente três: a abrangência geográfica tecnicamente errada, o engessamento que promoverá nas principais regiões agrícolas do país e a ineficácia de toda lei para resolver o conflito entre agricultura e conservação ambiental.
São argumentos no mínimo contraditórios. Se os efeitos das normas legais são praticamente nulos, como defende em seu artigo, por que a aprovação do projeto de lei em análise irá congelar a atividade agrícola do país?
Há no entanto mais que contradições no texto. Há informações incorretas. Em primeiro lugar, quanto à abrangência geográfica da lei. Diferentemente do que afirma, o que o projeto de lei prevê como mata atlântica não foi definido por uma entidade ambientalista ou por um deputado, mas sim pelo Conama (Conselho Nacional do Meio Ambiente), em abril de 1992. Para quem não sabe, o Conama é o maior colegiado da República, reunindo representantes de todos os órgãos do governo federal, dos Estados da Federação, do setor privado -entre eles a própria CNA- e entidades da sociedade civil. É esse órgão o responsável por definir as políticas de conservação ambiental no país.
A afirmação de que a nova lei congelaria a maior parte das áreas produtivas do país também não é verdadeira. Isso porque a legislação visa proteger o que sobrou de mata atlântica e, infelizmente, resta muito pouco, cerca de apenas 7% da área original.
Assim, o que passará a ficar realmente imune ao corte predatório e irresponsável são pouco mais de 80 mil km2 de florestas remanescentes espalhadas por 17 Estados brasileiros. Assim sendo, não há por que fazer terrorismo, pois a nova legislação não irá interferir nas áreas de florestas que já foram substituídas no passado e que estão em produção.
Finalmente, é bom esclarecer que não são as entidades ambientalistas que buscam a "aprovação, a qualquer custo, do projeto de lei 3.285/92". Ele já foi aprovado em 1995 pela Comissão de Defesa do Consumidor, Meio Ambiente e Minorias da Câmara dos Deputados, que tinha poder terminativo e, portanto, já deveria estar em fase de aprovação final pelo Senado. Quem tenta impedir sua aprovação, "a qualquer custo", é a CNA, que, a exemplo do que fez à época da votação da Lei de Crimes Ambientais, utiliza a sua bancada ruralista com o objetivo de impedir os avanços que a sociedade brasileira exige para estancar definitivamente a degradação ambiental em nosso país.

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