São Paulo, sexta-feira, 26 de junho de 1998
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Derrota quando se pensa estar ganhando

PAULO COELHO

Nunca tive que dar tantas explicações - nem mesmo quando lanço um livro e tenho que justificar porque certa parte da crítica não gosta dele. Nunca fui obrigado a explicar tanto - nem mesmo quando me perguntam como é que as coisas descritas em "O Diário de um Mago" acontecem mesmo no caminho de Santiago.
O fato é que, na manhã de quarta-feira, minha caixa de correio eletrônico na internet recebeu exatamente 1.190 mensagens, que demoraram exatamente 56 minutos para entrar no meu computador. Durante todo este tempo, e ainda desconhecendo o conteúdo das mensagens, perguntava a mim mesmo o que tinha acontecido: o Asahi Shimbum, jornal com 10 milhões de exemplares, havia publicado o meu endereço eletrônico? O prêmio Nobel tinha sido concedido antes da época, e eu fora agraciado? Descobriram que Monica Lewinsky lera "O Alquimista" e ia usá-lo na Corte Americana?
Não. Eram leitores, de todo o canto do mundo, comentando, perguntando, consolando, procurando saber como é que o Brasil havia perdido para a Noruega.
Resolvi responder todos os e-mails: do iraniano que me vê como um profeta e perguntava se eu era capaz de prever se aconteceria a mesma coisa com Alemanha e Irã (não sou profeta, mas não creio que a resposta seja muito difícil) até a escritora japonesa, que criou um haiku (tipo de poesia de três linhas e 13 sílabas) sobre o campo florido e a gota de água que cai numa pétala. Ela dizia: "Medita sobre estes versos e entenderá que não se pode ganhar sempre".
Ficou muito difícil explicar para os entusiastas novos-torcedores japoneses, ou os simpaticamente corretos americanos a ausência desta frase: No futebol, nem sempre o derrotado perde e nem sempre o vitorioso ganha.
Eu explico: o vexame do Brasil em nada afetou sua classificação, como quase todos sabemos (exceto 575 e-mails). Mas Marrocos, cujo time acabara de fazer - naquela mesma tarde -sua mais brilhante exibição em terras francesas, terminou eliminado. No dia seguinte, a mesma coisa: a Nigéria é derrotada, mas quem volta para casa é a Espanha, depois de golear a Bulgária.
Bem, digamos que isso acontece frequentemente na vida: começar as coisas sem entusiasmo, ser excessivamente cauteloso, evitar decisões que envolvem riscos, todas essas coisas podem nos dar uma falsa sensação de segurança, mas, quando vemos, o tempo passou, e mesmo as vitórias mais estrondosas não acrescentam mais nada à nossa vida.
Mas, o que estou fazendo aqui? Filosofando? Nelson Rodrigues está para a filosofia do futebol, como Marx para o marxismo, e Freud para a psicanálise: nenhum deles deixou nada a acrescentar. Não preciso especular. E ainda bem que 615 e-mails entendem o que estou querendo dizer. Para estes, vou enviar uma resposta padrão: critico um pouco a passividade do time e digo que seremos melhores contra o Chile.
Mas, e os 575 e-mails dos Estados Unidos e Japão? Neste caso, crio uma outra resposta padrão, adaptada de uma frase de John Lennon ("Life is what happens when you are busy making plans"), que ficará mais ou menos com a seguinte redação: "Não se preocupem, o meu país continua na Copa. Escrevam para os seus amigos marroquinos e espanhóis, que ganharam brilhantemente e terminaram perdendo. Derrota é o que acontece quando você acha que está ganhando".

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