São Paulo, sexta-feira, 26 de junho de 1998
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Lambendo feridas

CARLOS HEITOR CONY

As notícias que chegam das bandas onde está concentrada a equipe brasileira são previsíveis. Há descontentamento, mas não desespero. A derrota (essa sim, previsível) frente à Noruega foi assimilada como um acidente não de percurso, mas de fim de percurso. Afinal, já estávamos classificados e, embora o argumento não pese, o pênalti contra nós foi, na minha opinião, inexistente, embora merecido.
Mesmo assim, é hora de lamber feridas. Os supercraques reclamam que na seleção não dispõem das mesmas condições e regalias de que gozam nos grandes times europeus em que atuam. Com outras palavras, Ronaldo diz que é o centro gravitacional da Inter e que tudo gira em torno dele, gira e converge -daí que é considerado o melhor jogador do mundo.
Rivaldo é acusado de prender a bola, Roberto Carlos de jogar fechado, Taffarel de ter apenas duas mãos e Denílson de ser Denílson. Vale tudo para explicar uma derrota. Só não vale admitir que o time jogou mal, que todos se apresentaram apáticos, exibindo um salto alto inexistente.
A análise que se pode tirar da derrota de Marselha é simples: homem por homem, isoladamente, como numa apresentação de misses num concurso de beleza, o Brasil dá banho. Como jogo associado, esse conjunto de misses deslumbrantes não forma um sentido. Perdem para a Noruega e perderão para o Chile, amanhã, se continuarem a pisar o gramado como numa passarela de visibilidade internacional.
Vamos pegar pela frente um Chile supermotivado, com a imprensa mundial prestando atenção em seus craques, Salas e Zamorano estão sendo saudados como revelações, causaram impacto que só pode ser comparado, guardadas as proporções, ao surgimento da dupla Pelé-Garrincha no Mundial de 58, na Suécia.
Outro fator que motiva o Chile: aparentemente, ele nada tem a perder. Chegou às oitavas-de-final, não sofre a cobrança de ser campeão e, muito menos, de voltar para casa com cinco estrelas na camisa nacional. Tudo será lucro para ele, vença ou perca. Já o Brasil parece vergado ao peso de sua própria glória, de suas medalhas, de seus patrocinadores. Não é mais uma equipe de futebol, mas um conjunto pop de superastros que, diga-se de passagem, até aqui nada fez de notável nesta Copa de 98.
Entre as cobranças que se pode fazer -e que já estão sendo feitas- está o custo emocional e financeiro de uma seleção vedete como a do Brasil. Emoção é coisa séria, mas, em tese, emociona-se quem quer e pode. Já o custo financeiro -que de alguma coisa forma passa pelo bolso de todos nós- esse também conta. A massa de recursos despejada em cima da seleção, seja em forma de patrocínios ou subvenções, disfarçadas ou não, recai mais cedo ou mais tarde sobre o consumidor que somos todos nós. Tudo valerá a pena se a alma não for pequena e trazermos o penta. Tudo será caríssimo se comprarmos um tênis de certa marca por um preço no qual esteja embutido o nosso fracasso.

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