São Paulo, sexta-feira, 26 de junho de 1998 |
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Lixo cultural vira arte pop
PEDRO ALEXANDRE SANCHES
Não seria exagero caracterizar o culto a que sua obra foi submetida a partir de 92 como tributário daquele imaginário realçado pelo papa da pop art, Andy Warhol. No caso de Gretchen, o mistério se dá nos domínios do lixo cultural. De tão inacreditáveis, as artimanhas arquitetadas por ela e seu inventor Mister Sam para seduzir homens e vender discos configuram-na como algo exótico, divertido, um achado. Era menos quando ela surgiu. Não era fácil vislumbrar nela qualquer coisa além da empulhação -como acontece, hoje, com seu clone industrializado Carla Perez. Mas os anos se passaram e vieram os 90, tempos de cultura noturna metropolitana e tempos de revolução nos (agora) chamados meios GLS. E até com o conceito GLS Gretchen remexe. Mesmo nos 90, continua a ser prodígio essencialmente masculino -descontadas as crianças, em geral misteriosamente abertas à vulgaridade. Mulheres se divertem e rebolam ao som de "Conga, Conga, Conga", mas ainda é entre os homens que ela provoca furor. A empatia imediata, como ela mesma credita, se dá entre homens gays. Por sabe diabo que razão -ela acha que por identificação de feminilidade, mas isso é tosco chavão-, a boneca feita sob medida para enlouquecer homens heterossexuais hoje enlouquece homens homossexuais. Mas o fenômeno não se extingue aí, entretanto. Homens heterossexuais também tombam diante de "Melô do Piripipi". Não mais diante da beleza e sensualidade questionáveis -que os padrões já mudaram, Carla Perez à parte-, mas diante da música em si. E todos sabem que é lixo cultural, e todos riem, e todos zombam. Mas aquela gritaria, os gemidos, os "uis", os rebolados, foram o que restou -a imagem de Gretchen se dissolveu. A gente gosta é da música que a moça canta. Pode ser algo mais que um inexplicável fenômeno de arte pop? Sopa Campbell, sabão em pó Omo, Baconzitos, Gretchen, há diferença? Bem, para saciar o apetite por lixo cultural, aí está "20 Sucessos". Há um sem-fim de baladas sub-Roberto Carlos, mas, quando a imperatriz do fake se faz latina, multilíngue, sensual, é só deleite. E ainda há uma questão a matutar: será que em 15 anos o Tchan estará redirecionado a objeto de culto pop? Se sim, dá para pensar em guardar desde já. Meda. (PAS) Texto Anterior: SUCESSOS RELANÇADOS Próximo Texto: Mísia tira o fado do túmulo do subdesenvolvimento poético Índice |
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