São Paulo, domingo, 28 de junho de 1998
Texto Anterior | Índice

As Bolsas e o caixa-dois

CELSO PINTO

Os juros altos e a sonegação, o caixa-dois, são as duas grandes explicações para tão poucas empresas brasileiras usarem as Bolsas de Valores para levantar dinheiro.
A conclusão é de um interessante estudo encomendado pela Bolsa de São Paulo ao professor Carlos Antônio Roca, da Universidade de São Paulo. O estudo faz uma radiografia competente da evolução dos mercados de capitais no Brasil e no mundo e um diagnóstico dos obstáculos para a decolagem do mercado.
Levanta várias discussões técnicas relevantes, mas, no final, acaba esbarrando em dois nós centrais da política econômica. Os juros não baixarão enquanto o buraco das contas externas e fiscais continuarem altos. A sonegação fiscal do caixa-dois, por sua vez, não desaparecerá sem uma revolução no sistema tributário.
Roca levantou os dados de 1996 de 1.500 empresas. Concluiu que é comum empresas de capital aberto terem uma carga tributária de 50% do valor adicionado. Muito superior à carga tributária média da economia, de 30% do PIB.
A razão é simples: quando o capital é aberto, a empresa está sujeita a auditorias mais rigorosas e a uma ampla divulgação de dados. Um caixa-dois, formado com dinheiro da sonegação, não resiste a esse escrutínio, e essas empresas acabam pagando mais impostos do que as inúmeras empresas fechadas que sonegam.
Roca reforçou sua constatação com entrevistas com instituições financeiras. Descobriu, por exemplo, que fundos de "private equity" (que investem diretamente em negócios) têm dificuldades de aplicar recursos no Brasil porque, com frequência, ao analisar as contas (fazer a "due dilligence"), descobrem números diferentes do que é publicado, ou publicável, em razão do caixa-dois.
Por isso muitas empresas preferem continuar fechadas. Desde o início dos anos 90, o volume de negócios nas Bolsas brasileiras subiu de menos de 5% do PIB para mais de 20%, ajudado pelo capital externo e pelas privatizações. Como fonte de recursos para empresas brasileiras, contudo, o mercado continuou irrelevante. Só 2% a 3% das empresas abertas levantam recursos novos nas Bolsas.
Em 94, o total chegou a US$ 2,6 bilhões; no ano passado, a US$ 4,3 bilhões. Somando ações com debêntures, o total do ano passado, US$ 4,3 bilhões, foi inferior ao de 94, de US$ 5,4 bilhões. Enquanto isso, a emissão de bônus saltou de US$ 6 bilhões, em 94, para US$ 15,6 bilhões, nos nove primeiros meses de 97, e o BNDES aumentou seus empréstimos de US$ 5,5 bilhões para US$ 16,6 bilhões.
O segundo grande fator de afastamento das Bolsas são os juros altos. De um lado, juros reais de até 83% (em 95) tornam inviável tomar empréstimos para investir: a taxa de retorno de quase 90% das empresas de capital aberto e fechado pesquisadas ficou abaixo de 20%.
Os juros, contudo, também afetam o custo de capital tomado via mercado acionário. Como as ações embutem riscos maiores do que os da renda fixa, os investidores querem retornos mais altos. Isso significa que as empresas acabam tendo que baixar muito o valor das ações para vendê-las, o que aumenta o custo de emissão.
As duas opções que restam para o financiamento são tomar dinheiro externo ou buscar recursos mais baratos, por exemplo, no BNDES. Não por acaso, nos últimos quatro anos, o endividamento externo do setor privado cresceu US$ 50 bilhões.
No fundo, as duas questões poderiam ser resolvidas com uma reforma tributária que, ao mesmo tempo, reduzisse a carga e ampliasse a base, desonerando as empresas que pagam e aumentando a receita do governo. Tentar algo assim, contudo, esbarra num "beco sem saída", na opinião do secretário da Fazenda de São Paulo, Yoshiaki Nakano. O Brasil arrecada dois terços por impostos indiretos e só poderia desonerar a produção se conseguisse subir, muito, o terço que arrecada por impostos diretos, de indivíduos e empresas.
Reduzir os juros esbarra também, a seu ver, em outro problema: o "elemento convencional" de que falava Lorde Keynes. "O Banco Central acha que fazer política com juro alto é bom, acha que estabilização é igual a juro alto", diz Nakano. Por isso, o que é percebido no país como piso dos juros ficou alto demais e é difícil baixar. "O que o juro alto faz é inviabilizar o país", concluiu.

E-mail: CelPinto@uol.com.br

Texto Anterior: Campanha arrecada 100 t para Nordeste
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.