São Paulo, domingo, 28 de junho de 1998
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Remessa para o Brasil cai 36% desde 95

DE TÓQUIO

Prejudicados por salários achatados e pelo iene mais fraco, os dekasseguis têm remetido cada vez menos dólares ao Brasil nos últimos três anos.
Em 1995, a remessa ficou em cerca de US$ 2,5 bilhões e, na conta do lápis, ajudou o governo brasileiro a fechar suas contas externas.
Em 1996, as remessas ficaram em cerca de US$ 2 bilhões. Em 1997, US$ 1,9 bilhão e em 1998 deverão totalizar US$ 1,6 bilhão, segundo estimativas dos bancos brasileiros que operam com a poupança dos dekasseguis no Japão.
Em 1996, o dinheiro dos dekasseguis representava mais da metade do total de dólares enviados por todos os brasileiros que vivem no exterior -estimado naquele ano em US$ 3,4 bilhões. Ainda é a comunidade no exterior que mais remete recursos ao país, mas a proporção diminuiu bastante.
Segundo Luiz Fernando Chagas Lessa, gerente-geral do Banco do Brasil em Tóquio, a redução se deve quase que exclusivamente à queda do valor do iene, que só em 97 perdeu 30% diante do dólar.
Como os dekasseguis ganham em ienes e fazem suas remessas em dólar, com a desvalorização da moeda japonesa precisam de mais ienes para comprar a mesma quantidade de dólares.
"Os brasileiros continuam poupando a mesma coisa em ienes. O que mudou foi o câmbio na hora de conversão", disse Lessa.
Para se ter uma idéia, o valor médio do iene com relação ao dólar em 1995 foi de 89 -hoje está na casa de 140.
Lessa não acha que as demissões de brasileiros nos últimos 12 meses tenha afetado o volume das remessas. "O brasileiro não está mais sozinho no Japão. Agora ele está com a família. Quando um fica desempregado o outro ajuda a bancar a remessa mensal ao Brasil."
Segundo os bancos brasileiros em Tóquio, muitos dekasseguis estão depositando seus salários em poupanças enquanto esperam a cotação do iene melhorar para comprar dólares. Isso também estaria reduzindo, temporariamente, a remessa de divisas ao Brasil.
Entre os bancos brasileiros, o BB detém o controle do mercado de dekasseguis no Japão, enviando, por mês, US$ 55 milhões por meio de contas individuais.
"Pelo amor de Deus"
Brasileiros que chegam ao Japão enfrentam todo tipo de problema, além do iene cada vez mais fraco.
Em janeiro passado, quando a crise asiática já estava em pleno vapor, Ilza Kurokawa, 34 anos, moradora de Londrina, no Paraná, negociava com uma agência de turismo paranaense sua vinda ao Japão para trabalhar em uma fábrica de autopeças.
"Eu perguntei para a dona da agência se essa história de crise não ia atrapalhar. Ela disse que não, que não tinha nada a ver, que o problema estava muito longe do Japão."
Kurokawa comprou à vista as passagens das duas filhas mais novas e financiou a sua e de filha mais velha com a dona da agência, que providenciaria dois empregos no Japão. "Assinei uma promissória no valor de 8 mil."
As quatro chegaram no final do mês. Foram recepcionadas por um representante de uma empreiteira. "Já no caminho ele disse que a fábrica havia desistido das contratações e eu teria que esperar por outra oferta."
Depois de duas semanas dormindo na empreiteira, sem chuveiro, ela obteve um emprego provisório na Sanyo. Não durou dois meses. Foi demitida junto com outros cem brasileiros. Quis ir embora e descobriu que não havia passagem de volta. Os bilhetes que comprara simplesmente não tinham validade.
Kurokawa deve US$ 8 mil por duas passagens que não existem e que custariam US$ 2 mil no mercado. Ela arranjou um outro emprego, recebendo metade do que lhe haviam prometido. Não consegue poupar porque os gastos no Japão são altos. "Além disso a dívida foi convertida para ienes e aumenta a cada dia. Não vou conseguir pagar nunca. Quero voltar, pelo amor de Deus."
Enganado
Wladimir Ferreira Garcia, também 34 anos, está numa situação muito parecida. Só que está desempregado. Em sua primeira noite no Japão ele disse ter percebido que foi enganado. O emprego prometido não existia e na manhã seguinte lhe prenderiam o passaporte até a dívida ser paga.
Garcia fugiu do apartamento onde foi colocado junto com outros 12 brasileiros. Foi para a casa da cunhada. Sua dívida inicial com uma agência de turismo de Londrina foi transferida para uma empreiteira de mão-de-obra no Japão e pulou de R$ 6 mil para US$ 9 mil num passe de mágica.
"Problemas cambiais", explicou a empreiteira. Ele fez um apelo ao consulado. Quer voltar para o Brasil. O prazo de sua passagem, da Korean Airlines, já se esgotou. A empreiteira foi chamada pelo cônsul em Tóquio, Ricardo Drummond de Mello. A empreiteira defendeu-se dizendo que Garcia tem culpa porque fugiu. Mas prometeu que o levará de volta ao Brasil caso ele queira.
"Situações como essas existem às centenas no Japão", diz o padre Evaristo Higa, missionário salesiano na cidade de Hamamatsu. "Por ganância, atravessadores continuam trazendo brasileiros para um Japão em crise. Os brasileiros são colocados para trabalhar em locais horríveis, somente para pagar as dívidas. Depois, são jogados nas ruas de um país que para eles é estranho e hostil."

Texto Anterior: Déficit anual do FGTS já supera R$ 1 bilhão
Próximo Texto: Imigrantes acabam debaixo da ponte
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.