São Paulo, terça-feira, 30 de junho de 1998
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Produtos 'futebolísticos' invadem a sede da Copa

SÉRGIO DÁVILA
ENVIADO ESPECIAL A PARIS

Torcedores franceses podem consumir desde livros filosóficos sobre o esporte até enciclopédia com explicações de verbetes

Há alguns dias, uma cena ocorrida na arquibancada do estádio dos Três Pinheiros, onde a seleção brasileira treina, foi a mais perfeita tradução de como os torcedores franceses se relacionam com o futebol -e, por consequência, com a Copa do Mundo.
Um torcedor de Paris, que estava com seus dois filhos, insistia em acompanhar as jogadas dos brasileiros de pé. Atrás dele, irritado, um comerciante de Ozoir-la-Ferrière pedia insistentemente que ele se sentasse.
No quinto pedido, começou o bate-boca. Pancadaria seria o passo seguinte, certo?
Errado. O bate-boca evoluiu para uma verborrágica e improvisada mesa-redonda, em que torcedores vizinhos davam palpites, direitos individuais eram discutidos e até o segurança local foi chamado a intervir: não fisicamente, mas para ser o mediador do caso.
Os torcedores franceses, diferentemente de brasileiros, acompanham o futebol com a cabeça, não com o coração.
Os exagerados 150 lançamentos literários só neste ano sobre o tema, os mais de 20 CDs, o comportamento dos comentaristas e das mesas-redondas na TV e até a existência de uma peça teatral (leia textos nesta página) que "discute" o assunto são prova disso.
Desde janeiro, o mercado editorial vem despejando livros sobre futebol à razão de 25 títulos por mês. Não há livraria em Paris que não tenha reservado um bom espaço em suas prateleiras para "les livres a buts" (os livros de gols).
Enciclopédia
Há desde os já clássicos do gênero, que começam a ganhar tradução agora na França -como "O Futebol ao Sol e à Sombra", do escritor uruguaio Eduardo "As Veias Abertas da América Latina" Galeano, e "Football Factory", do inglês John King-, até uma enciclopédia sobre o assunto.
É "O Dicionário do Futebol", de Christine de Montvalon, que apresenta verbetes por vezes óbvios ("torcedor - fã incondicional que demonstra sua paixão no estádio por meio de objetos e com a ajuda de músicas, gritos e olas") e frases e citações de admiradores famosos (Nabokov, Camus).
A área acadêmica não fica atrás e se esbalda com colóquios e mais colóquios discutindo se o futebol é mesmo o ópio do povo, se o jogo é afinal belicoso ou fraternal etc. etc. O principal texto é o interessante "A Geopolítica do Futebol", coletânea de escritos recolhida por Pascal Boniface, diretor do Instituto de Relações Internacionais e Estratégicas francês.
Locutores
Na TV, se os locutores não fogem muito do estilo Galvão Bueno (aqui imortalizado como "Galva" Bueno a partir da grafia errada de uma reportagem do jornal "Libération"), a diferença reside mesmo entre os comentaristas.
Nas três principais redes abertas, eles analisam cada jogada como se fizessem uma resenha do último filme de Martin Scorsese para a revista "Cahiers du Cinema".
São palavrosos e lançam mão de adjetivos inusitados no meio esportivo (pelo menos para os brasileiros), como a frase "ocasião verdadeiramente soberba de conversão a gol", várias vezes utilizada na transmissão do França 1 x Paraguai 0, e "finalmente fez-se a luz", quando do gol, no domingo à tarde na rede TF1.
Mas a mais anedótica é mesmo a emissora France 2. Para comandar sua mesa-redonda pós-jogos da Copa do Mundo, a direção da emissora convocou o crítico literário Bernard Pivot, que normalmente apresenta o programa "Bouillon de Culture", de lançamentos de livros.
O resultado é imperdível e já virou um clássico entre os torcedores brasileiros na França.

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