São Paulo, terça-feira, 30 de junho de 1998
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TRICKY

MARCELO NEGROMONTE
DA REDAÇÃO

O menino Tricky, 34, volta a fazer barulho -e atiçá-lo e desorganizá-lo- em "Angels with Dirty Faces", terceiro álbum de um dos nomes mais representativos da música desta década.
Ex-rapper do Massive Attack, quando era conhecido por Tricky Kid, no começo dos anos 90, Tricky parece querer gritar tudo o que vem a sua mente perturbada ao mesmo tempo, de todas as formas possíveis (e impossíveis).
Ele fez isso em "Maxinquaye" (95) e "Pre-Millenium Tension" (96). E perturbação é o que não falta em "Angels with Dirty Faces"; talvez uma inquietação, algo sem forma, mutante, um vírus letal e maravilhosamente original.
Classificá-lo de qualquer coisa é ser, no mínimo, vago. Trip hop foi a primeira tentativa, mas o espectro é mais amplo aqui.
Em palavras, este disco chega próximo a uma espécie de "jazz hardcore", mas obviamente é superficial demais.
Letras sem sentido (o que "donde este bien je t'aime je tombe", de "Money Greedy", significa?) e sons desconexos, com texturas agoniadas, nunca ouvidas, que, por isso, desorientam, causam estranhamento. Produto de uma alma raivosa, maculada, que roga por luz, da qual paradoxalmente prefere ficar distante.
E o disco começa com "Money Greedy", pesada, com mais guitarras do que "Pre-Millenium Tension" inteiro. A ganância o faz pensar que só será forte quando morrer. E ironiza o próprio nome: "Tricola-ola", diz um trecho.
Se em "PMT", Tricky evocou a clássica "Message", do rapper Grandmaster Flash, agora versos de "God Bless the Child", de Billie Holiday, caem nas graças e na voz de PJ Harvey (creditada como Polly Jean), que faz dueto singular com Tricky na estupenda "Broken Homes", com um coro gospel de arrepiar e batidas profundas.
E mais indignação mal digerida: "Sucesso precisa de mortes/ a assassina é a mídia".
Tricky vocifera sussurrando contra o "sistema", a "indústria", contra tudo, em "6 Minutes", com guitarras de Scott Ian, do Anthrax, e vocais da parceira Martina Topley-Bird.
"Eu controlo a minha carreira" e "nesta indústria cheia de vômito, meu vodu faz-nos ficar doentes" são alguns exemplos da ira armazenada e nunca saciada, que atinge o ápice em "Record Companies", música nada elogiosa às gravadoras.
E "The Moment I Feared" é o que se chega mais próximo do drum'n'bass no disco. Singelamente estranho.
"Angels with Dirty Faces" é um disco difícil de ouvir -grande mérito-, difícil de entender, com sons quebrados -"Talk to Me (Angels with Dirty Faces)" é quase uma não-música-, sem ritmo, que exige um desprendimento enorme do ouvinte. Talvez no próximo ano seja assimilado como deve ser. E aí já virou pop.
Enquanto isso, os anjos com caras sujas existem, sim, e aterrorizam seus tímpanos. Não adianta fingir que não existem; encare-os de frente. Agora.

Disco: Angels with Dirty Faces
Artista: Tricky
Lançamento: Island/PolyGram (importado)
Onde encontrar/encomendar: London Calling (tel. 011/223-5300), Sweet Jane (tel. 011/288-4847)

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